Vou ler isto aqui pra quando eu esquecer que meu corpo também é frágil. Que a planta que brotou no meu jardim distante cresceu rápida demais e morreu e eu morri também, porque o tempo dela é o mesmo tempo que o meu. Não consegui fugir do tempo, até porque não quis. Não finjo idade, já minto tanto por grandes coisas que não quero mais mentir por nada, ninguém, nem ideologia nenhuma.
Vou ler isto aqui pra quando eu esquecer que a viagem não precisa de plateia, mas de um ombro seguro, amigo. Cada interesse é único, preciso respeitar a vontade do outro sem com isto anular a minha. A minha vontade já me dominou tanto, que entrar em contradição era natural como abrir os olhos numa tarde comum, no meio da semana, numa cama desconhecida.
Vou ler isto aqui pra quando eu esquecer que os processos existem, as culpas também, mas que nem todos são culpados. Pelos menos aos olhos de um júri plantado. Quero dormir, mas não posso. Não estou em minha casa. As pessoas ao meu lado são estranhas, mas com problemas comuns. Não somos amigos, não temos nomes, nem ninguém. Por isto não posso dormir. Sou obrigado a pegar meu sono e ficar contando quantas vezes o homem passou na janela em construção que nem um vidro novo ganhou ainda. Janela oca. O vazio da sala da frente é a única coisa que rouba minha atenção agora. Por isto não devo fechar meus olhos. Preciso estar vivo olhando a morte passando em minha frente.
Vou ler isto aqui pra quando eu esquecer que o gato que ronda sozinho pedindo atenção já teve uma mãe. Eu tenho uma mãe, mas não a vejo aqui. Só percebo aquele velho pegando gel lubrificante de forma sutil como se pegasse um saco de pão da mão do padeiro. Escroto. Ele pegou dois, três, seis sachês. O que vai lubrificar, a dor? Quis questionar! Tesão você não sente, mas quem sou eu pra julgar a sua ereção? Também sou poeira aqui nesta pista por onde todos passam sem fixarem rostos. Apenas cores em relance, que se transformam em nada no quilômetro seguinte.
Vou ler isto aqui pra quando eu esquecer que a luz do farol do meu carro ilumina a saia do caminhão que a minha frente anda rápido com destino ao descanso do caminhoneiro. Vejo cores vermelhas dos faróis e consigo ler: “Do nascer ao pôr do sol seja louvado o nome do Senhor!!!”. Mas será que o senhor quer ser louvado por bocas de pouca fé? A gente tem cuspido o nome do Dele pra justificar nossas merdas, eu evito, mas às vezes faço isso também. Mas o faço por ser muitas vezes infeliz.
Vou ler isto aqui pra quando eu esquecer que compreendo o tiro, o açoite e dedo apontado, só não compreendo o amor, porque é na amplidão que o amor quer morar até mesmo quando por casa ele (o amor) entende ser um quarto/sala na beira do rio São Francisco. Quem mais amou o riso ou a dor? Justificar não compensa o ferimento, a lástima gritada ou o silêncio que pensou em fugir, mas encontrou abrigo num calo da garganta seca.
Vou ler isto aqui pra quando eu esquecer que o mais rápido nem sempre vai chegar “na frente”, pois só aos quarenta será possível entender que cada coisa acontece de uma vez: o coração que pulsa seguidamente, a mão que aguenta segurar mais do que imaginava, a cabeça que precisa esquecer alguém, o olhar que precisa cessar pra molhar a retina que tanto avistou num dia só. Eu preciso esquecer este dia, e só.
Vou ler isto aqui pra quando eu esquecer que a vida nunca foi algo realmente bonito e que sua única certeza é a morte, que ronda as pistas mal elaboradas da Br-101. Se não fosse pelo cinto, o vai e volta do caminho seria mais agressivo e eu não teria a falsa sensação de segurança. Coitado. Ninguém está seguro enquanto vivo, mas bem pior deve ser estar morto e não poder reclamar das homenagens recebidas, das flores baratas e das velas finas que apagam com uma simples brisa de verão.
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