Acessando a bolha alheia

Dia desses me deparei com uma situação inusitada, conheci um senhor que discorda de absolutamente tudo em que eu acredito e confirmo. Foi uma situação interessante para mim, já que ao longo do meu processo de militância, ouço em diversas reuniões e papos com amigas e amigos, que devemos exercer a escuta para sair de nossas bolhas e redes de relações, que são construídas com afetos e afinidades, para ouvir o que alguém completamente diferente, moralmente e ideologicamente tem a nos dizer. Levei a fundo esse conselho, visto que em outros tempos, eu teria entrado numa discussão ferrenha, com discordâncias, argumentações, entre outros detalhes e encrencas que acumulo ao longo da minha trajetória enquanto mulher de esquerda.

 

Parei para escutar e busquei entender o que, para mim, é incompreensível. Vamos aos fatos: 01- Falei que era jornalista; foi um gatilho para o senhor, que já destruiu a minha profissão em segundos. Acusou o jornalismo de produtor de fake News, que não temos credibilidade, que somos comprados – até hoje não sei dizer por quem, ele também não soube dizer -, e que estamos perdendo espaço para as pessoas que de fato falam a verdade na Internet. Eu poderia ter entrado numa briga imensa, mas questionei os porquês de tantas acusações e tentei entender de onde vem o ódio à imprensa que produz aquilo que ele não quer acreditar. Por que há dois anos a imprensa era aliada e agora inimiga?

 

Fato 02- O coronavírus é uma farsa inventada para disfarçar a guerra biológica entre China e Estados Unidos, e que esse é um grande acordo entre nações, inclusive o senhor insinuou que as eleições nos EUA foram fraudadas, pois Trump teria se negado a aceitar o tal acordo entre as Nações que forjam um pânico mundial para acobertar essa guerra entre os países. Fiquei confusa por alguns motivos, se a guerra é entre China e EUA, como os EUA, envolvidos na suposta Guerra, se recusariam em assinar um acordo que supostamente beneficiaria o país? Ele mudou o assunto quando eu quis aprofundar mais sobre, principalmente quando afirmei que morei nos EUA e que entendo um pouco sobre as eleições, o processo de lá e que Trump não é um ídolo, como muitos brasileiros imaginam. Ele, imediatamente, falou que não gostaria de entrar no assunto política e mudou o foco, alegando que o pânico não faz sentido, pois mais que 180 mil pessoas morreram por outras doenças no país e as pessoas não tiveram essa reação.

 

Sim, as pessoas morrem por outras coisas, a dengue, por exemplo, matou 528 pessoas esse ano, a Covid matou mais de 180 mil, em menos de um ano, percebem a diferença? Aí vem o fato 03 – Um paciente com Covid custa 16 mil ao SUS, os médicos se beneficiam com isso. Perguntei como, pois, conheço e convivo com pessoas muito próximas da área da saúde, que estão esgotadas física, mentalmente e sem um real a mais nos salários por conta da pandemia. Ele não soube responder, nem soube me dizer de onde saiu essa informação, além disso, disse que era necessário gastar o dinheiro com a Covid-19, senão ele retornaria aos cofres públicos. Tentei explicar, como alguém que não é da área de saúde, mas que trabalha no serviço público, que as coisas não funcionam dessa forma, mas ele me interrompeu e não quis ouvir, alegando que eu era muito jovem e que fazia parte da imprensa, ou seja, uma corrente de Whatsapp é mais crível do que meu diploma, meus anos de experiência como jornalista, pesquisadora em Antropologia e Sociologia, as inúmeras entrevistas, livros, reuniões sobre o assunto etc.

 

Por fim, usei a minha gestação e o excesso de sono para encerrar o assunto, pois nada que eu falasse ou questionasse seria válido para ele, até porque, o fato de ser uma mulher jovem, jornalista, algo que para ele já está enraizado como ruim, já me colocou numa posição de inferioridade aos argumentos do senhor que não tinha provas, mas plena convicção. A Internet é um campo muito rico de informação, mas também é um campo de propagação de notícias falsas, mentiras e acusações inventadas. O jornalismo é um exercício muito sério, bem como o trabalho dos profissionais de saúde e cientistas à frente das pesquisas sobre o coronavírus, entre outros. Não se deixem levar por suposições ou fatos sem provas, sem pesquisas. A informação falsa tem custado a morte de muitas pessoas. Pensem nisso.

 

Deixo aqui alguns sites para que verifiquem a veracidade das informações que circulam nos grupos, redes sociais: Fake Check; Agência Lupa; E-farsas.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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