Cezar Britto * A questão da ALCA, por pressão dos EUA, voltou à ordem urgente do dia, especialmente com a recente Carta do México, assinada por todos os presidentes e chefes de Estado do continente americano. Como a questão não é nova, registro que mantenho a minha opinião sobre a ALCA (Área de Livre Comércio das Américas), exposta em artigo anterior, da mesma forma que expus a questão na XIV Conferência dos Advogados Catarinenses. Usei uma estória para explicar a minha posição, fazendo as adaptações necessárias ao preenchimento dos vácuos de minha memória. Narrei mais ou menos assim aquela estória que é o título deste artigo: “- um dia, acordando disposto a fazer o bem, um poderoso Pato, senhor de muitas terras e patas, resolveu fazer um acordo com os seus vizinhos porcos. Entendeu que havia chegado a hora de acabar com a desigualdade animal, embora o vento da riqueza soprasse sempre em sua direção. Solícito, o senhor Pato procurou o líder dos porcos para falar da sua brilhante idéia. Não ligando para o lamaçal que encobria a moradia dos porcos, ingressou naquele ambiente hostil. Estranhamente parecia não sentir nojo ao adentrar aquele lugar, era a força de sua idéia a tapar suas delicadas narinas. Seu gesto foi bem recebido pelo chefe dos porcos, embora com uma óbvia desconfiança. Mas o senhor Pato não se fez de rogado, saudou a todos como se velhos e queridos amigos. Encontrou logo adeptos na manada, especialmente quando beijou uma desajeitada porquinha que fuçava uma abandonada lata velha, talvez imaginando encontrar o cheiro do alimento que ali um dia habitou. Confiante, propôs o seu pacto de igualdade, prosperidade e respeito entre todas as raças. As cercas e pocilgas que separavam patos e porcos seriam imediatamente abolidas. A idéia causou impacto, e logo grasnados grunhidos se fizeram ouvir por várias horas. Talvez o barulho da comemoração, ou porque é mesmo confusa a linguagem de seres completamente diferentes, a proposta global não ficou muito esclarecida. É possível ainda que o Senhor Pato não tenha falado sobre todos os detalhes de seu pacto. Lembrem-se que era da família dos patos, não dos bobos. Mesmo com todo o sigilo e as questões de segurança nacional em jogo, teve um momento em que parte do acordo ficou compreensível. Foi na hora de se fazer a feijoada comemorativa do importante e vantajoso pacto. Quem estava atento percebeu que os patos contribuíram com os ovos, enquanto os porcos eram obrigados a ceder o toucinho…” . A “Estória do Pacto Pato/Porco” muito lembra a “História da Alca”. As promessas e propagandas são semelhantes, embora os termos reais do pacto estejam ocultos. A única coisa visível é que os Estados Unidos entrarão com os supérfluos (os ovos) enquanto os brasileiros com a carne, o sangue e o suor (o toucinho). Um bom exemplo do interesse de Bush no Brasil é a sua proposta de acordo de ocupação da Base de Alcântara, localizada no Estado do Maranhão, já acenada positivamente pelo então Governo FHC. O Brasil entraria com a lucrativa e bem localizada base estratégica, uma área de aproximadamente sessenta e quatro mil hectares, em pleno funcionamento. E, sem qualquer troca conhecida, renunciaria a sua propriedade para os EUA, que poderão até fazer testes nucleares e proibir a entrada dos próprios brasileiros. E o grave é que contrapartida norte-americana continua sendo as barreiras econômicas para o aço e a laranja produzidos no Brasil, além da humilhante revista dos brasileiros nos aeroportos. Se nos acordos antecedentes o Brasil cedeu parte de sua carne, é fácil imaginar o que ocorrerá quando o Brasil assinar o acordo principal. Sem igualdade econômica ou social não é difícil compreender quem entrará com o supérfluo e quem patrocinará o filé. E aí não será apenas uma estória de ficção, infelizmente será uma história de submissão. Eis porque mantenho a minha velha opinião sobre a ALCA. Anteriores >> (*) Cezar Brito é advogado, conselheiro Federal da OAB e presidente da Sociedade Semear. cezarbritto@infonet.com.br