“Amicus Plato, sed magis amica Veritas”.

Sem ninguém me pedir nem provocar, volto, por recalcitrante, chato e inconveniente, à discussão da política de cotas aprovada pela minha UFS. Diga-se, porém, como premissa inicial, antes de qualquer mal-entendido, ou desqualificação de preconceitos, que esta minha volta só se dá motivada por um sentimento absurdo de posse. Um absurdo porque de um arroubo tolo de quem perdendo a razão, se arde na paixão que é fruto do carinho, do amor e da lembrança. Uma pretensa tolice também, porque a UFS não é minha, nunca foi minha e nem o poderia jamais ser.

 

– “Ela é de todos! To-dos!” ‘Assoletra’ bem sonante o imbecil bestializado pela objetividade anárquica que encena na coisa pública um arroto guerreiro, seguido de muitas palmas e esperanças vis, comuns às promiscuidades e vícios, que sustentam a arenga deletéria de des-construção da escola pública.

 

Discurso que vira flagelo, dilacerando a escola, despedaçando-a e esmigalhando-a, transformando-a em cenário de sujeira, bestiário de quadrilhas e chiqueiro de idéias.

 

Sim, porque a despeito de todos os esforços dos partidos políticos, populares, retrógrados ou reformistas, ninguém consegue despertar o amor do público por sua escola.

Gosta-se da Igreja, do Clube, do campo de futebol, mas da escola,… Ninguém gosta, nem os que la dentro vivem e convivem, nem os de fora indiferentes. Carteiras quebradas, sanitários depredados, utensílios roubados e ninguém é culpado de nada. Em alguns casos virou tema policial, o que é um absurdo quando se fala em escola.

 

Mas, porque ninguém peca por amar, e por amar em demasia, eis que a UFS sendo de todos, e não sendo de ninguém, pode ser muito mais minha do que de ninguém, e o é, aí incluídos os que la de dentro vão e vêm.

 

E assim, só porque o amor tudo pode, volto ao tema porque não posso contemplar a minha UFS em indiferenças. Incomoda-me ver a minha Universidade, porque mais minha que de muitos, se estiolar em descaminho de rumos, agora em puro modismo, deixando-se guiar por cegueiras de experimentações vazias, desagasalhada ao léu de uma fundamentação científica provada e reconhecida, questionando tudo, revirando tudo, “utilizando perversamente a ciência” ou a pseudociência para repelir uma formação dita hegemônica de raça. Deseja-se repelir a cultura ocidental demonizando a formação européia, responsabilizando-a por todas as nossas misérias em perpetuidade, tentando substituir por uma outra que seja só inerente às classes oprimidas e à questão racial.

 

Ora, essa discussão não pode ser realizada levianamente. E a instituição de cotas aprovada pela UFS, numa penada determinando o corte brusco de 50% das vagas para os alunos da escola pública, independente da má avaliação ou da comparação com os seus colegas da escola privada não é justa para ninguém, sobretudo para a Universidade, que contra a corrente da busca e da troca de saber, se quer um gueto de ignorâncias.

 

Porque a fome de saber é eterna, e o homem procurará este saber onde ele existir, pagando, inclusive, quando a escola pública não lho fornecer. E tem sido assim, com as instituições privadas ocupando o vácuo lamentável de ineficiência deixado pela escola pública.

 

E as escolas só deveriam concorrer em eficiência, no ministrar proficiente da ciência e na criação do saber. Um saber questionável porque sensível ao novo e às poliédricas interpretações antropológicas, mas um saber permanente também, repelindo os pregadores da destruição apocalíptica, defensores da política de terra arrasada. Afinal, é da essência da humanidade o construir e o destruir, todos com as melhores intenções e fundamentações. E, por pior, cheios de certezas absolutas.

 

Ora, o docente sabe bem mais que qualquer outro, que a dúvida fertiliza muito mais que a certeza de iluminados e taumaturgos, afinal do magistério se exige como norte e rumo a integridade intelectual, isenta de preconceitos de ódios e de gostos.

 

A educação não pode ser assunto de ‘De Gustebus’, ela não pode se deixar enredar pelos que se acham iluminados e resolvem tudo reformar no porrete, na cacetada ou na barretada de uma decisão de conselheiros des-fundamentados e acovardados, se rendendo a prejulgados ideológicos e tacanhos, miúdos e equivocados. Coisa de recalcados, de gente burra que quer premiar a burrice junto com a má qualificação de aprendizagem e a indigência intelectual.

 

Por acaso houve uma análise estatística dos últimos resultados dos vestibulares contrastando com a eficiência do resultado do ensino ministrado pela UFS? Existe este estudo para viabilizar o prejuízo realizado contra a juventude? E este número, esta destinação de 50% para alunos mal preparados, constatados e incontestados como mal preparados sem nenhuma culpa, a menos de seus professores, um desafio a governos de todos os partidos?

 

Não se melhora a educação pública escamoteando a verdade, criando guetos, reservas de mercado; o aluno que é ruim, que é despreparado, que não estuda e prefere vagabundear precisa dar espaço para quem quer se instruir. É esbórnia com os recursos públicos investir dinheiro e esforços com quem não quer nada. E quem não estuda e se capacita para a vida não merece tratamentos de carícias, seja o filho do grande empregador, do bem abonado de tesouros, ou dos que só têm desdouros de bens e de terras.

 

Nesta, e em qualquer outra terra, devemos amá-los, ser solidários com todos, mas jamais aprová-los em cursos e provas com notas e vantagens concedidas graciosamente.

 

Se o processo de avaliação do ensino, aí incluídos os vestibulares e até o Enem estão eivados de defeitos, ensejando um estimulo cultural ultrapassado por ser europeu e ocidental, sem enfoque para as raízes autóctones do índio e do negro, que se mude todo o enfoque da aprendizagem. Que não se estude a Revolução Francesa, por exemplo, prefira-se a revolta de Zumbi e Aperipê. Se não devemos estudar inglês por ser idioma explorador, balbuciemos em Tupy-Guarany, ou em banto-nigero-congolês, mas que se faça a prova igual com pesos e conceitos iguais, jamais com a fraude que mascara a realidade.

 

Se acharem que é possível lecionar geometria diferencial jogando fora os postulados de Euclides, se é possível tratar de limites, de continuidade, de cálculos de fluxões mandando Newton e Leibnitz pros quintos dos infernos, abramos logo os portões da Universidade para os despreparados, para os que não sabem somar frações, os analfabetos de todas as desinências e más concordâncias, para formarmos magarefes e não médicos, filósofos de botequins e charlatães de todas as utilidades, afinal é assim que acontece quando se envilece o nível dos que ingressam na Universidade.

 

Se os estudantes perderam o hábito da leitura, porque não estão sendo ensinados a ler e porque não esperam melhorar lendo, como pensar em sua melhoria se as vagas da academia lhes serão presenteadas em vilania de pouco esforço?

 

Belo exemplo está dando a UFS à nossa juventude, querendo ensinar redação a alunos em lhes estimulando a ler cada vez menos, e a estudar bem menos ainda, só porque vêm da escola pública.

 

E por pior e mais tolice, achar que tudo isso irá afetar a escola privada. É querer subestimar a fome de saber do homem, que sedento o buscará em qualquer lugar se a UFS se tornar um rótulo vazio de proficiência e sabedoria.  

 

Aos que apressadamente pensam que me anima uma relação odienta com a escola pública, esclareço que foi ali que teci minhas maiores relações de amizade. Amizades obtidas no convívio com colegas e com muitos alunos no Ateneu e na UFS. Fiz também muitos amigos como professor da escola privada. Não gostei, porém, de lecionar na escola particular, preferindo a pública, mesmo com todas as suas falhas e deficiências, daí porque lamento sobremodo a sua estagnação em paralisações sucessivas fomentadas por sindicatos inimigos do bom ensino, em greves irresponsavelmente não repelidas por todos os governos.

 

Mas enquanto os governos hesitam em ferir esta pústula grevista e anarquista, alcancemos o mote inicial arrimado como título recitando o aforismo latino atribuído a Aristóteles: “Amicus Plato, sed magis amica Veritas”, “Platão é meu amigo, mas a verdade é mais minha amiga”.

 

A UFS é minha amiga. Ali estão dezenas e centenas de muitos amigos hoje de mim enraivecidos por redigir estes textos de pensamentos discordantes.

 

Mas estes artigos são necessários. Incomodativos, todavia imprescindíveis. É preciso que alguém em outra via pregue aos espíritos amortecidos no alcalóide deletério que inebria e deixa tonto, para lhes despertar o vigor da ética e o destemor frente aos eternos patrulhamentos de fogueiras.

 

Sim! É verdade! A UFS é minha amiga, mas a verdade é muito mais minha amiga.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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