Alguns amigos nos deixam a sensação de que estamos em permanente débito para com eles, pois sempre presentes em nossa vida, voluntária e desinteressadamente. Não raro metamorfoseados em vozes a afagar o coração momentaneamente surdo, outras vezes vestidos com um olhar que agasalha a solidão rebelde, diversos transformados em pacientes ouvidos a escutar as mais desencontradas queixas, sem esquecer os momentos em que são, simultaneamente, mãos carinhosas e abraços acolhedores. E não nos cobram nada em troca, ou melhor, sequer demonstrando que quererem algo em troca, muito menos a retribuição pelos gestos de amizade. Encontramos estes amigos em vários lugares e inusitadas ocasiões, alguns no exato momento em que nascemos para o mundo, outros cativados nas brincadeiras de rua, centenas estudados na fase escolar, muitos lapidados no trabalho e diversos misturados na multiplicidade da vida. Eles são luas a nos olhar serenamente, estrelas a nos emprestar o brilho da noite, sóis a iluminar caminhos perdidos e planetas que, mesmo distantes, nos contemplam com ares de proteção. Dizem até que não têm cor, sexo ou idade definidos, mesmo quando incorporados em assumidos integrantes da raça humana. Contraditória e exatamente por serem assim, sinceramente amigos, não notamos quando estão tristes, chateados, desiludidos ou carentes de atenção. Em vários momentos sequer percebemos que estão ao nosso lado, talvez porque não se incomodem que compartilhemos a vida, o sucesso e a felicidade com outras pessoas, lúcidos que são ao compreenderem que o egoísmo não faz par com a amizade. É como se, inconscientemente, achássemos que eles nasceram e cresceram para orbitar em nossa volta, integrando o mesmo sistema em que habitamos, eterna e imperceptivelmente. Imperceptível até certo ponto, pois causam um impacto destrutivo de um grande meteoro quando, repentinamente, resolvem mudar o curso de suas próprias vidas. Ironicamente um impacto causado pela inesperada ausência, pela sensação de que o vazio nos atingiu de cheio, nos fazendo compreender, às vezes tardiamente, a importância daquela presença. Este paradoxal fenômeno também ocorre quando resolvem olhar, brilhar, iluminar e contemplar outras paragens, mesmo quando não desejem ou tenham concordado com a mudança. Modificações de amores, humores, famílias, escolas, cidades, trabalhos e tribos são alguns dos motivos que causam esta dolorosa alteração no rumo de uma amizade. Rumos que, quando alterados, prometem ser reatados em um futuro mais distante, embora se saibam improvável em função do impacto causado pela ausência. Bastam, apenas para citar algumas das separações que se mostraram irreversíveis pelo passar do tempo, que nos lembremos dos inseparáveis amigos de infância e dos cúmplices-confidentes-colegas de escola. Infelizmente, alguns deles partem sem nos deixar o acalento da perspectiva do retorno, porque resolveram morar em desconhecidas, protegidas e distantes galáxias, onde até os telefones são proibidos. Não podemos mais agradecer o quanto foram importantes em nossas vidas, nos desculpando pela desatenção ou que, caso voltassem, construiríamos uma amizade mais recíproca. A estes nos cabe manter acesa a chama a amizade, acreditando que as marcas que deixaram em nossas vidas não serão extintas. É o que estará a fazer a Sociedade Semear, nos dias 08 a 30 de agosto, quando compartilhará e relembrará a vida, o exemplo e o prazer de se ter convivido com um desses inesquecíveis amigos. E o fará através da exposição de seus quadros e obras de arte, uma das belas formas com que externava seu amor pelos amigos, pela cultura e pelo gosto refinado. Não sem razão os espalhavas por todos os cantos e recantos de seu apartamento, não restando espaço vazio para inimizade, desprezo e grosseria para com as pessoas; Aliás, o bom gosto sempre acompanhou o querido amigo Adalberto Oliveira, procurador que sempre encontrou companheiros pelo caminho, conselheiro da ordem dos amigos do Brasil, advogado da elegância e passageiro ativo da nau da afeição. Serão dias em que a Galeria Jenner Augusto brindará a amizade, reconhecendo publicamente que Adalberto Oliveira é um satélite que continua olhando, brilhando, iluminando e contemplando todos aqueles que tiveram o prazer de chamá-lo de amigo. É uma boa oportunidade de reverter o que era parecia improvável: trazer de volta Adalberto através de seus quadros e obras de arte. * Cezar Britto, é advogado e secretário-Geral da OAB
cezarbritto@infonet.com.br
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