Amor sem escalas.

Quanto custo demitir um funcionário? Qual a diferença entre homens e mulheres num mundo competitivo onde a meta é surfar no mercado de trabalho em difícil mar bravio de sobrevivência?

 

Qual o sonho que a modernidade está a incutir nas novas gerações?

 

O que devemos inserir em nossas malas quando pretendemos realizar uma viagem? Como à bagagem devemos compatibilizar leveza e praticidade de equipagem, de modo a vencer, com maior facilidade e rapidez, os obstáculos de uma excursão, aí incluindo vantagens e gastos, compatibilizando ganhos e reduzindo perdas?

 

Como fazê-lo no trabalho ou no lazer em um roteiro necessário? Como fazê-lo sobremodo, na caminhada da vida, percorrendo os caminhos ditados pela inércia ou pela imposição que a própria vida orienta como um acaso que define a meta, o caminho e o ocaso?

 

É este acaso ou descaso que a temática do filme “Amor sem escalas” de Jason Rietman propõe refletir nestes tempos de ausência de sonhos e utopias, momento em que todos parecem crer que o viver enseja um contexto de ganhos e benefícios, um exercício pragmático de permutas que tudo justifica e remunera.

 

Isto é: Na vida uns nasceram para perder e outros para ganhar. E o grande segredo não é promover o ganho multíplice, nem realizar um negócio que seja bom para os dois lados da transação, pois a busca da satisfação múltipla, aquela que em tese beneficiaria todos, não se compatibiliza com a nova humanidade, crescente como gafanhoto em voracidade veloz, desqualificação a caminho, em desembesto de formigueiro humano.

 

E, porque tudo isso é extensivel e incontrolável, a vida no filme “Amor sem escalas” parece querer que nos transformemos em desertos ambulantes, gerando aridez como uma necessidade da caminhada.

 

Por esta caminhada destacada na própria chamada do filme em seu cartaz, George Clooney representa Ryan Bingham, um homem maduro, vitorioso, conhecedor de todos os segredos de bem se portar e exemplificar, que está sempre pronto, bem arrumado e perfumado, disponível para fazer uma conexão.

Divulgação.

 

Como a vida de Bingham é viajar, o seu habitat eletivo tem que incluir por ramerrão a inconveniência de uma rotineira conexão.

 

Mas a conexão inserida no texto e na trama do executivo vencedor não se restringe ao simples contexto explícito de uma troca de avião, uma baldeação de aeroporto ou uma escala de embarcadouro. 

 

Ele está disponível sobremodo para a conexão com o sexo sem compromisso, ditado pela ocasião ou pelo encontro fortuito, acordando o garanhão nas salas de embarque, na vizinhança de poltronas, nas trocas de emails, onde tudo é cenário para descarga fortuita de sêmen, em perfeita assepsia de secreções. Tudo o que poderia ser em alguém que por missão, só carrega consigo o que lhe dá leveza e agilidade, no tempo e no espaço.

 

Porque Bingham faz um desses profissionais indispensáveis, sobretudo nestes tempos bicudos de recessão. Ele seria o agente frio e inexorável que o capitalismo entronaria como seu maior desejo. Alguém, especialista em “transição de carreira”, eufemismo que edulcora e adocica a demissão de funcionários e a exoneração sem justa causa.

 

Sim, porque a demissão é uma traumática efígie de duas faces que não se conseguem encarar em verdadeira troca de fidelidade. É terrível ser demitido após uma longa vida de trabalho e sacrifício em lealdade e dedicação. E é muito pior, desumano mesmo, demitir sem justa causa, o funcionário desbastado e exaurido pela necessidade do lucro envergonhado.

 

Mas, “as empresas não são feitas para promover a caridade!” Grita o empresário cruel que fala do custo Brasil, por exemplo, e vem lutando para extinguir as conquistas sociais celetistas de Vargas e dos trabalhadores.

 

E Bingham que não é do Brasil mostra como é fácil a demissão do trabalhador americano, com pouca indenização numa exoneração sem justa causa. Ele é um especialista em convencer as pessoas a se alegrarem com a perda do emprego e da remuneração segura, ensejando uma vida parcimoniosa por gloriosa, afinal ao desempregado sempre sobra tempo para o lazer, o ócio criativo e arealização do sonho adiado.

 

E isto é tão prático e verdadeiro, que não só Bingham é requisitado para demitir aqui e alhures, daí seu ininterrupto viajar, como mais procurado é o seu bem resumido e explicitado manual do novo desempregado, esta nova ocupação dos novos tempos recessivos.  

 

Assim, Bingham é um homem de sucesso, invejado por homens e mulheres, viajando sem parar, reunindo milhagem superior á órbita lunar, um verdadeiro recorde de espaço vencido no tempo, sem tempo para pensar, fazer amizades, trocar confidências e nutrir confiança.

 

Ryam Bingham (George Clooney) e Alex (Vera Farmiga) Yahhoo! Brasil

E tudo ficaria por assim, na aridez de um eremita imerso num mar de gente em indiferenças, não fosse o despertar garanhão do sexo por ocasião.

 

Porque surge Alex (Vera Farmiga), protótipo da mulher madura, vitoriosa, descompromissada com regras, igual a muitas executivas e liberais que se orgasmam solitariamente em masturbação de esfregaços de contracheque.

 

“Eu sou igualzinha a você, com uma vagina”, define-se Alex para um Bingham feliz na contemplação da própria imagem em aparente melhoria por suavidade.

 

Há no filme esta necessidade explícita de mostrar que o homem é a meta assintótica de algumas mulheres de nosso tempo. Não lhes basta vencer, ser valorada e destacada. Alex quer ser vista como um homem, sobremodo.

 

E neste particular, por uso de hábito, por inveja e imitação, despreza até mesmo as depilações feminis rotineiras, preferindo exibir avançadas e destacadas penugens, não mostradas no filme, mas enaltecidas, exageradamente.

 

Mas, sem excessos, a mulher não pode ser igual ao homem com uma vagina por desplante implantada. Homem e mulher são diferentes e se completam. É isto que explícita Natalie (Ana Kendrick), a outra personagem, uma garota inteligente que sonha adquirir o mesmo sucesso de Bingham, prenunciando até mesmo ultrapassá-lo, sofisticando-lhe o know-how, de maneira a produzir demissões em massa, via computador e internet, com redução de custo e rapidez, sem a necessidade do contato físico.

 

Mas Natalie tem namorado, deseja casar e ser mãe. Ela quer compatibilizar todos os confortos dos dinheiros com os desejos de uma mulher comum, de uma mulher normal. E Natalie sente na pele a desilusão, não da perda do emprego, mas do término do seu namoro, que se faz mais traumático que uma exoneração.

 

Sem justa causa formal ou razão que o justificasse, o amor e o compromisso foram desfeitos via internet, por email, e o sofrimento se faz inerente ao viver da jovem caída em prantos.

 

E o filme toma o caráter humano no contexto de sonhos e carências que todos de alguma maneira possuímos. O desfecho não enseja arrependimentos ou mudanças de hábito. Bingham não será demitido por Natalie como se esperaria, afinal a demissão de um funcionário envelhecido e depauperado é sempre uma contingência da indiferença empresarial. E isso continua em fidelidade escorpione, a sua especialidade por excelência.

 

Do garanhão que se esperaria em Bingham, sem amarras nem bagagens, só se contempla uma sua relação sexual monogâmica; justamente com Alex, a veterana charmosa, vertida por Farmiga, nos encontros agendados nas escalas dos aviões e da vida.

 

Mas, Alex que se quer igual a um homem com vagina, o é nas piores espécies. Ela não é fiel, também não é monogâmica. Ela é falsa, ela vive uma mentira, alimenta-se em perfídia, traindo a todos, incluindo esposo e filhos, como jamais deveria ser uma mulher e um homem que merecessem ser amados.

 

Coisas da vida, da modernidade da vida e dos atuais romances realistas de desesperança.

 

O filme é bonito, um verdadeiro convite ao turismo por uma América de roteiros menos concorridos.

 

Ele nos mostra, sobretudo, como a vida pode ser, se não viger o amor.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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