“Aperte a urna, o partido sumiu” – Cezar Britto

Reformar a Política é a receita da moda. Todos, sem qualquer exceção, apontam a Reforma Política como o remédio mais eficaz para combater o clima moribundo que “tomou conta do pedaço”. Afirma-se, neste mesmo receituário tupiniquim, que sem atacar a carcomida estrutura partidária impossível se torna salvar o “paciente brasileiro”. Fortalecer os partidos políticos, proibir o troca-troca de legendas, combater o “caixa 2”,  exigir coerência partidária e impedir que os partidos sejam contaminados pelos vírus da negociata são alguns destes medicamentos sugeridos.  

É bem verdade que as receitas propostas diferenciam em seu conteúdo. Alguns falam em parlamentarismo, outros em voto distrital, vários em fidelidade partidária, poucos em voto por chapa partidária e, os doentes de espírito e saudosos do autoritarismo, na volta do cruel regime militar.  O presidente Lula, por exemplo, tem afirmando que o Congresso Nacional é um doente terminal e contaminado pela corrupção, razão porque propôs a convocação de uma absurda Assembléia Nacional Constituinte Exclusiva para Reforma Política. O Congresso, acusando o sopro da morte na sua nuca desnuda, rebateu taxando de golpista a proposta, além de culpar o presidente pela paralisia do parlamento, provocada pelo exagerado uso de medidas provisórias.

Também é verdade afirmar que algumas medidas preventivas já foram adotadas. O TSE, legislando e revogando suas próprias “leis”, deu a sua contribuição quando impôs, via verticalização, que os partidos mantivessem alguma coerência programática, impedindo coligações que não respeitassem as alianças nacionais. O parlamento aprovou a “cláusula de barreira”, prometendo reduzir a proliferação de partidos nanicos, quase sempre utilizados como partidos de aluguel. No mesmo sentido, os comitês de fiscalização e combate à corrupção eleitoral que se espalham pelo país, orientados pela OAB, CNBB,  Ministério Público Eleitoral e outras instituições têm a esperança de fazer do voto um conseqüente instrumento de mudança. Enfim, todos buscando o crescimento das estruturas partidárias e, com ele, o começo da implantação da Reforma Política.

Entretanto, bastou o início da campanha eleitoral para revelar os propósitos eleitoreiros de muitos, a falácia reincidente de milhares ou mesmo a eterna ineficiência das próprias instituições. Tão logo iniciada a fase do convencimento, os partidos políticos foram violentamente extraídos do já combalido coração do eleitor. A coerência partidária, apesar da injeção de ânimo provocada pela verticalização, não fora suficientemente forte para sacudir o doente. Aqui e acolá, ela é assumidamente quebrada, sempre que necessário  receitar o interesse pessoal, as pesquisas eleitorais  ou os “recursos extras de campanha”.

A campanha do petista Lula acaba de receber o apoio público do governador cearense do PSDB, o candidato à reeleição Lúcio Alcântara. No Maranhão a candidata do PFL, Roseana Sarney, segue o mesmo exemplo ao participar da campanha de Lula. Em Pernambuco todos os candidatos, inclusive do PFL, usam a imagem de Lula em seus respectivos programas. Vários prefeitos petistas pedem votos para o governador mineiro do PSDB. Os principais candidatos do PDT, em Sergipe, pregam o voto na presidenciável  Heloisa Helena (P-Sol), não obstante a candidatura interna de Cristóvam Buarque. E, como estes, outros implantes partidários se esparramam pelo Brasil continental.

Realmente não se exige esforço científico ou detetivesco para entender que a  Reforma Partidária não escapará viva do processo eleitoral. Outro exemplo do seu previsível falecimento prematuro se observa da propaganda eleitoral, especialmente dos cartazes, santinhos e adesivos. É raro, exageradamente raro, encontrar o registro do nome do partido político vinculado ao candidato. Cuida-se apenas de registrar o nome e o número do candidato. Os partidos políticos sumiram da propaganda eleitoral, salvo aqueles  que querem se afirmar como “opção de esquerda”.

É como se pretendessem, maliciosamente, esconder do eleitor o passado autoritário, o pretérito corrupto ou mesmo a incompetência daquele partido que já fora guindado à condição de governante. É, também, a desesperada tentativa de apagar a recente lembrança dos “valeriodutianos” e “sanguessugas” que engrossaram as fileiras de quase todos partidos. É com se desejassem autoconceder, preventivamente, um salvo conduto para futuras trocas partidárias ou negociatas políticas. É, mais uma vez, enganar o eleitor e manter em ato permanente de “coma eleitoral” a prometida Reforma Política. É, em resumo, dizer que quando o cidadão for apertar a urna descobrirá, tardiamente, que o partido sumiu.

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