Aracaju, meu amor

Outro dia vieram nos visitar uns amigos muito queridos de vários cantos diferentes do país, e eu fiquei com vontade de mostrar pra eles porque escolhi essa cidade pra viver e amar. Aracaju, cujas margens se acabam nos rios de água salobra e ainda lhe sobra um lado que vai dar no mar. (E lá no fim, no horizonte, onde um caboclo mais míope e poético enxergou umas árvores, estão plantadas é umas plataformas de aço sugando a seiva negra da Terra – mas essas são outras histórias).

E o que eu queria mostrar mesmo aos meus companheiros de lida, não pude levá-los a ver, por falta de tempo, de espaço, “por motivo de doença”, por um pouquinho de preguiça e um jeito meio sem saber como fazer isso direito. É que o que me encanta nessa terra, diz o povo que não é lugar turístico. O que me encanta mesmo, bate meu coração mais forte e me faz não ir embora nunca mais é encontrar um cantinho na beira do rio Vaza Barris, por detrás do convento lá na Areia Branca, às 16h37, quando o sol começa a descer e o céu da pequena ganha a mais bela paleta de cores. É uma aquarela da natureza, pintada por detrás das árvores de mangue (essas sim são árvores, caboclo!). Um rio salobro e friozinho no fim do dia, no silêncio do trinado dos pássaros e da água se movendo com o vento e a correnteza. É meu lugar favorito na cidade inteira.

Embora eu também não despreze um passeio pelo mercado Antonio Franco (principalmente se tiver uma roda de chorinho), queria levá-los um pouco mais adiante, ali pela rua Santa Rosa, descer até a Apulcro Mota. Não, não é nem um pouco turístico, mas é onde se vê a gente mesma da cidade circulando. Uma mãe que foi comprar material escolar pros meninos todos, filhos, netos, sobrinhos, filhos dos vizinhos, um senhorzinho vendendo dvd pirata e cd com mp3 de Pablo e Tayrone, uma mocinha que foi comprar um corte de tecido, um rapazinho vendendo antena de TV e chumbinho, uma senhora vendendo jogo do bicho, um menino comprando picolé Picuí. A cidade inteira passa por ali, todos os dias, e lá se ouve o sotaque, as palavras do povo da capital e do interior, ali dá pra puxar conversa, mesmo o sergipano sendo assim tão desconfiado, e deitar dois dedos de prosa pra entender melhor as engrenagens que movem Aracaju em direção ao rio ou ao mar.

Na passagem, parar ali, na beira de outro rio. Ficar bestando perto da praça do Mini Golfe, só olhando o Rio Sergipe ser verdinho na luz da tarde, tomando uma fresca e reparando na vida da cidade seguindo apressada de um lado pro outro. Ok, os meus amigos almoçaram ali por perto e se admiraram da beleza do rio, mas não é a mesma coisa de chutar pedrinhas na calçada enquanto passeia sem pressa e vê os oitizeiros da rua da frente retorcidos de sal e vento. Tem um jeito outro de sentir a cidade existindo que não é no ritmo de turistar, é num ritmo próprio, um ritmo nosso, de todo dia, um ritmo que passeia pelas calçadas ou que corre atrás do ônibus. E era isso que eu queria mostrar-lhes, porque eu queria que eles sentissem meu amor simples pela cidade.

E iria levá-los no final de semana pra passar ali pela Hermes Fontes e ver Tupã da Viola detrás de seu palco-cercadinho feito de ferro com muito esmero pelo próprio. Violeiro e ferreiro. E lhes mostrar onde morou Zé Peixe e contar sua história, a real e a inventada. Apontar o Maria Feliciana e explicar porque o prédio se chama assim, quem é essa mulher e sua lenda. Falar da história triste e da lenda urbana que se tornou a Velha do Shopping, de quem já esquecemos o nome real. É que essas pessoas todas fazem parte da mitologia da cidade, do onírico, da poesia cotidiana, e é preciso conhecê-la pra sentir a cidade em sua concretude mais diáfana.

Numa tarde de domingo perdida qualquer, levaria a trupe inteira por um passeio pelas ruas desertas do São José, jogando conversa fora ali pela praça Camerino até chegar na praça Tobias Barreto. É que só aos domingos é possível sentir a pulsação latente da cidade nervosa que existe naquelas ruas durante a semana dita útil. Nos fins de semana, ela descansa, como uma senhora muito cansada de tanto trabalhar. As ruas se aquietam e se esvaziam, e aí é possível ouvir os pássaros e admirar as casas antigas e as árvores grandiosas que ainda restam por ali, esquecidas pela sanha progressista do concreto.

Se ainda coubesse uma esticada, poderíamos ver e admirar a cidade se esparramando horizontal lá de cima do Morro do Urubu, por detrás do bairro Industrial. Sim, a Colina do Santo Antônio é bem bonita e todo turista deve mesmo ir lá conhecer, mas a vista do Morro do Urubu é daquelas coisas que a gente guarda pra presentear só as visitas de mais querer. De lá se avista o rio Sergipe e a ponte, a Barra dos Coqueiros, e os olhos vão esbarrar na primeira muralha de prédios que se ergue autoritária mais lá na frente. É um derramar-se de extensões. É quase um segredo: a melhor vista se vê é de onde turista não chega.

Pra finalizar o passeio, deixo por último o lugar que mora num canto aquecido do meu coração: o conjunto Augusto Franco. Lugar no mundo que mais amei morar, pedacinho que sinto falta de viver todo dia. Pedalar de tarde por suas ruas escondidas e receber boas-tardes das senhoras sentadas nas portas pra tomar uma fresca e reparar na vida da vizinhança. Lá ia eu: boa tarde, dona Maria. E elas sorriem e acenam, felizes de poder colocar as cadeiras na calçada. Pois, queria era ter levado todos os meus amigos numa pedalada feliz pra conhecê-las todas e sorrir junto com elas. E numa quarta-feira de noite, ir na feira e comprar um bolo de macaxeira em dona Maria, ganhar um pinha depois de uma conversinha miúda com a mocinha dona da barraca e levar mais que frutas e legumes, uma coisa que nem sei explicar o que é e em que categoria está. O Augusto Franco é quase uma cidade vivendo por si, batendo o coração em seu próprio ritmo e pulsar.

É por não saber direito como essas coisas existem e se concretizam que eu queria tanto ter levado meus amigos pra conhecer esses lugares, essas pessoas e esses cantos, para que eles pudessem sentir por si como é feliz a cidade que nasce na beira do rio e se perde na beira do mar. Mas quando eles voltarem, aí sim, levo todos pra conhecer Aracaju de verdade, no que ela tem de mais única.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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