As espiãs de Churchill e a personificação do povo britânico

Raquel Anne Lima de Assis

Doutora em História Comparada pela UFRJ (PPGHC)

Integrante do Grupo de Estudo do Tempo Presente (GET/UFS/CNPq)

E-mail: raquel@getempo.org

Fonte: https://filmow.com/as-espias-de-churchill-t245447/

Nos últimos anos, alguns filmes sobre a Segunda Guerra Mundial (1939-45) se tornaram bem conhecidos e premiados. Dentre eles, podemos citar O Discurso do Rei (2010), Dunkirk (2017) e O Destino de Uma Nação (2018). O que essas três películas têm em comum além da temática retratada? São produções cinematográficas britânicas que nos trazem uma história de superação e vitória do povo inglês na guerra. Algo semelhante vamos verificar no filme As espiãs de Churchill (2019), dirigido por Lydia Dean Pilcher. Enquanto as três primeiras obras citadas trazem a personificação da vitória britânica na figura de soldados e políticos, esta última utiliza de personagens civis comuns e mulheres.

As espiãs de Churchill é um filme que nos apresenta a história, baseada em eventos reais, de três espiãs que serviram na agência britânica de espionagem Special Operations Executive (SOE) durante a Segunda Guerra Mundial. São elas: Vera Atkins (Stana Katic), uma romena que trabalhou como oficial da inteligência inglesa e ajudou a recrutar mulheres espiãs; Virginia Hall (Sarah Megan Thomas), uma agente estadunidense que serviu ao SOE antes de ingressar na agência de inteligência norte-americana, Office of Strategic Service (OSS); e Noor Inayat Khan (Radhika Apte), uma mulçumana que nasceu em Moscou e atuou como a primeira mulher operadora de rádio da espionagem britânica.

No filme, essas mulheres têm como objetivo coletar informações e realizar ações de sabotagem na França ocupada pela Alemanha em 1940. A missão delas é ajudar os movimentos de resistência que atuavam no território francês e dificultar o deslocamento das tropas alemãs pelo país, destruindo trens, ferrovias e estradas. Dessa forma, Virginia Hall e Noor Inayat Khan são enviadas para atividades em campo; esta transmitindo informações via rádio para Vera Atkins localizada em Londres, e aquela empreendendo ações de comando em grupos de resistência franceses.

A história dessas três mulheres é retratada, assim como outros filmes britânicos, como exemplo de bravura, força e persistência que levaria à vitória dos Aliados na guerra contra o Eixo. Ou seja, é um filme que busca valorizar uma memória da guerra em torno do sentimento de superação, pois até 1941 o Reino Unido lutava quase que sozinho contra a Alemanha uma vez que a França estava ocupada e os EUA e a URSS ainda não tinham entrado oficialmente no conflito, embora os norte-americanos oferecessem ajuda militar e financeira aos britânicos.

Contudo, há uma especificidade no filme que gostaríamos de destacar. A vitória não é personificada na figura de homens soldados ou políticos famosos. Estamos nos referindo a mulheres civis. Esse fato nos faz observar um aspecto, a possível tentativa de criar uma identificação do público com os personagens, pois o agente secreto é um civil anônimo; pelo menos se apresenta desta maneira. Ele não possui patentes militares nem exerce cargos políticos no governo. As três espiãs são, assim, colocadas como mulheres comuns, como parte do povo britânico. Portanto, nessa identificação o público pode se enxergar como parte da vitória e como heróis nacionais, mesmo que mantendo seu anonimato, assim como essas agentes secretas são apresentadas na película.

É um filme produzido em um contexto em que o Reino Unido estava passando pelo Brexit, isto é, seu processo de saída da União Europeia. Tal desligamento foi marcado por tensões, divisões e tentativas de acordo, pois foram traçados diferentes planos pelos políticos britânicos de como deveria ocorrer o Brexit. Os conflitos no Parlamento Britânico levaram à demissão da primeira-ministra Theresa May, que foi substituída pelo Boris Johnson.

Diante desse cenário, verificamos como o filme nos traz uma ideia de união do povo britânico em um contexto que de fato era perpassado por fortes divisões. Sendo assim, As espiãs de Churchill é uma produção que possivelmente tenta criar entre seu público a ideia de que a nação britânica unida poderá superar as diversidades provocadas pelo cenário político a partir de uma representação histórica da Segunda Guerra Mundial.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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