Até logo, minha companheira!

Recebi uma intimação para mudar a foto utilizada nesta coluna, pois, desde o iniciar do ano, já não uso mais barba. Era preciso, portanto, regularizar o espaço de um órgão de comunicação que prima exatamente pela informação mais real e atualizada. Segundo cobrava a redação, uma contradição que deveria ser superada com o gesto simples da troca da foto. O problema é que a questão, para mim, não era tão simples assim. Separar-se publicamente da barba era uma tarefa que conscientemente adiava.

Sempre fui um barbudo confesso, daquele que faz da barba o próprio estilo de ser, uma marca registrada. A barba era, portanto, uma velha companheira de anos, parceira de tantos gostos e aventuras. Era tão compreensiva em sua amizade que nunca ficara enciumada nos momentos de rápida separação. Sabia ela, certamente, que era passageira a despedida, até porque tinha data programada para o retorno. É que, anualmente, durante o pequeno período do recesso do Poder Judiciário, aproveitava para viajar de férias, deixando-a descansado em casa. Como não ficava em Aracaju, poucos sabiam que eu estava sem barba. Deste período várias histórias aconteceram, vários momentos inesquecíveis. Todos eles explicando a resistência à mudança.

Lembro-me das reações de todos os meus filhos quando, pela primeira vez, me viram sem barba. Ainda engatinhando para a vida, todos eles olharam o meu rosto como se um desconhecido estivesse querendo se aproximar, embora reconhecessem a minha voz. Confusos, não sabiam se privilegiavam a visão ou audição, a razão provocada pela visibilidade do olhar ou a emoção respaldada pela carinhosa voz. Seus pequenos rostos alternavam a insegurança e a alegria que a inusitada situação provocava. Porém, sempre, tiveram a mesma reação final, fazendo vencedora a secular relação paternal, todos sorrindo  e abraçando, emocionados,  o pai.

Outro fato interessante se deu antes de iniciar a viagem de férias. Usando um surrado tênis, que combinava com um jeans e uma camisa digna dos tempos estudantis, precisei pegar um processo na Justiça do Trabalho. No protocolo, escutei uma voz comentar que eu era muito parecido com o “Dr. Cezar”. Não perdi a oportunidade, mesmo porque o comentário era de uma querida amiga que lá trabalha. Apresentei-me a ela como sendo “João”, o irmão mais novo do “amigo doutor”. Ela sorriu, mandou lembrança para mim, e disse que eu era mesmo parecido com “ele”, inclusive na voz, porém um pouco mais gordo.  Até hoje ela não sabe o que ocorreu, repetindo o mesmo “erro” outra vez.

Quando estava presidente da OAB/SE um outro fato parecido, embora em ambiente diverso e tenso. Quando, já no carro para viajar, utilizando os mesmos trajes, fui informado de uma grande confusão dentro da prefeitura de Aracaju. O prédio público havia sido invadido por vários garis em greve. Não tive dúvida, compareci ao local, procurando evitar um grave acidente. E tudo parecia conduzir para este fim. Diante do prédio, vários policiais impediam o acesso ao seu interior, e de lá o som de vozes confusas pareciam indicar a gravidade as situação. Intuitivamente forcei a minha entrada, sendo acompanhado por João Fontes. Já na escada, num clima confuso e escuro, fui detido por alguém que parecia ser o comandante da operação. Pretendia ele impedir o meu acesso à área do conflito. Depois de muita discussão, reciprocamente dura, a minha passagem foi liberada. Cumprida a missão, evitando o nascer da violência, retornei a viagem. Pouco depois, recebo a ligação do aludido comandante, pedindo desculpa pelo entrevero anterior, pois segundo ele não tinha me reconhecido. Lembrei que realmente não havia me apresentado, sequer dizendo que era advogado. Mas como não fui impedido de exercer o meu ofício, continuei, sem rancor, o meu trajeto.

Mas nem sempre lembranças pitorescas. O preconceito também se mostrava freqüente naqueles esporádicos tempos, permanecendo firme agora que barba parece ser uma doce recordação de uma história que já passou. Não raro surge o comentário de que foi correto aposentar a barba, pois ela envelhece e faz desleixado o seu usuário, confundindo-o com os “bagunceiros” e “revolucionários” que se espalham e “contaminam” a sociedade. Pouco importa que Cristo e vários santos tenham também a usado, a barba tem inimigos ferozes. 

As histórias são muitas, a saudade também. Saudade que fica com gosto de retorno, pois o que é bom deve ser sempre repetido. A mudança fotográfica não muda o meu gostar, tampouco faz ameno o meu respeito por aqueles que conservam intacto o relacionamento com a barba. E não poderia mesmo mudar, até porque posso apenas dando um pequeno até logo para a minha querida companheira de jornada.

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