Ativismo Judicial e Iniciativa de Emenda

Mais um lance do ativismo judicial do Supremo Tribunal Federal (mais particularmente, ativismo de seu Presidente, Ministro Cezar Peluso) passou um pouco despercebido da opinião pública em geral e da comunidade jurídica em particular, ao menos como novo capítulo desse mesmo ativismo.

Trata-se da proposta de emenda à constituição, apresentada publicamente pelo Presidente do STF, batizada de “PEC dos Recursos”.

Por ela, a Constituição Federal é emendada, para assentar que a admissibilidade do recurso especial e do recurso extraordinário não impedirá o trânsito em julgado da sentença (confira a íntegra da proposta no seguinte link: http://s.conjur.com.br/dl/minuta-pec-recursos.pdf).

Toda a polêmica que se estabeleceu sobre essa proposta adstringe-se ao seu mérito. Houve diversas manifestações contrárias e favoráveis.

O que espanta, todavia, é o grau de envolvimento pessoal e institucional do Presidente do STF na entusiasmada defesa de sua aprovação.

Em 25 de março de 2011, foi pela primeira vez apresentada à população e à comunidade jurídica, pelo Ministro Cezar Peluso, em reunião-almoço no Instituto dos Advogados de São Paulo
(http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=175381&caixaBusca=N).

Desde então, o Ministro Cezar Peluso vem se empenhando pessoalmente (valendo-se da posição institucional de Presidente do STF) pela aprovação da proposta.

Com efeito, a proposta foi apresentada como item do Poder Judiciário nas tratativas do “III Pacto Republicano” a ser firmado entre os três poderes. Além disso, o Ministro Cezar Peluso vem articulando apoios institucionais dos tribunais e juízes, bem como de outros setores da comunidade jurídica nacional e do meio político e social.

Em artigo publicado no site do STF na internet, afirma, sem rodeios:

Minha proposta  de emenda constitucional conhecida como PEC dos Recursos ataca frontalmente dois dos mais graves, se não os dois mais graves problemas do sistema judicial brasileiro: a lentidão dos processos e a impunidade. Para tanto, altera a Constituição para acabar com a chamada “indústria dos recursos”, em que manobras protelatórias retardam o andamento dos processos e impedem a execução das sentenças judiciais” (grifou-se)
(http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=181248&caixaBusca=N).

Ocorre que a Constituição não atribui ao Supremo Tribunal Federal, muito menos ao seu Presidente, legitimidade para propositura de emendas à constituição (de acordo com o Art. 60, somente podem propor emenda à constituição: a) 1/3, no mínimo, de deputados ou senadores; b) o Presidente da República; c) mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se cada uma delas por maioria simples). Em termos de participação do Supremo Tribunal Federal no processo legislativo, a Constituição é bem clara: seu único espaço é na iniciativa de leis (Art. 61), sendo que, em alguns casos, essa iniciativa é privativa do STF (Art. 96, II, “a” a “d”), reservada para leis que disponham sobre aspectos da sua organização estrutural. Nenhum espaço, portanto, para propositura de emenda à constituição.

Além disso, acaso aprovada, a “PEC dos Recursos” pode vir a ter a sua constitucionalidade questionada, e caberá ao STF, aí sim no exercício de legítima atribuição constitucional, julgar a matéria. Qual será a isenção do STF e em especial de seu Presidente no julgamento da constitucionalidade uma proposta que não apenas foi de sua iniciativa, mas também sobre a qual houve apoio público e entusiasmado, inclusive institucional?

Frise-se, por último, que a “PEC dos Recursos” não é consenso nem na própria Suprema Corte. Aliás, sequer foi submetida à apreciação formal dos demais Ministros. O Ministro Luiz Fux chegou a afirmar que “Valeria a pena o Supremo Tribunal Federal, com o seu colegiado completo, se manifestar sobre isso. Minha preocupação é que essa emenda venha a ser aferida pelo próprio Supremo Tribunal Federal, tendo partido do presidente da Corte. É uma questão muito delicada”
(http://www.conjur.com.br/2011-jun-19/entrevista-luiz-fux-ministro-supremo-tribunal-federal). O Ministro Marco Aurélio manifestou-se contrariamente à proposta (http://s.conjur.com.br/dl/oficio-006-ministro-cezar-peluso.pdf).

Conclusão: a “PEC dos Recursos”, apresentada à Nação como fórmula mágica para solução da crônica morosidade do sistema judicial brasileiro, é mais um capítulo do tão recente quanto intenso ativismo judicial do STF. Capítulo por meio do qual o Presidente do STF quer demonstrar o seu protagonismo não apenas quando jurisdicionalmente provocado a atuar, mas protagonismo também na iniciativa de mudanças normativas que seriam a solução dos males que afetam a jurisdição brasileira.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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