Bases Constitucionais da Justiça Gratuita – Parte I

Para discorrer sobre as bases constitucionais da “Justiça Gratuita” é necessário fixar um esclarecimento prévio a respeito do que se quer dizer exatamente com o termo.  Portanto, doravante, ao mencionar justiça gratuita, estou me referindo a uma das funções estatais, qual seja, a função jurisdicional, para abordar os fundamentos constitucionais de sua prestação gratuita.

Há muito tempo o Estado avocou para si o chamado “monopólio da jurisdição”, ou seja, o monopólio da resolução dos conflitos existentes na sociedade.  Não se tolera mais, e isso é muito bom, o exercício da autotutela (a não ser em casos excepcionais, expressamente previstos pelo ordenamento jurídico), o exercício da vingança privada, a aplicação da “lei do mais forte” ou da “justiça com as próprias mãos”. Se há um conflito de interesses na sociedade, e este conflito é gerado por uma lesão ou ameaça a direito de alguém, e não há condições de solução amigável para este conflito, o Estado se faz presente para resolvê-lo.

No entanto, na medida em que o Estado avoca para si o monopólio da jurisdição, impedindo que os particulares resolvam seus conflitos por seus próprios meios, é preciso então que este mesmo Estado seja capaz de solucionar verdadeiramente o conflito, evitando a ocorrência da lesão ao direito ou reparando o direito lesado.  Isso quer dizer, enfim, que a função jurisdicional do Estado, ou seja, a prestação da tutela jurisdicional, deve ser efetiva, capaz inclusive de proporcionar a pacificação social, que para muitos é o grande objetivo da jurisdição.

Porém, ao prestar a jurisdição, o Estado precisa tratar com imparcialidade as partes em conflito, precisa assegurar o contraditório e a ampla defesa do réu, assegurar a ampla produção de provas. Enfim, para prestar a jurisdição, o Estado faz uso de um instrumento que proporcione a adoção da solução mais justa, ou pelo menos mais consentânea com os fatos.  Esse instrumento é o processo judicial.

E, para ser movimentado, o processo judicial necessita de uma grande estrutura que lhe dê cobertura, o que envolve desde os profissionais do direito que atuam no processo, como advogados, promotores, juízes, defensores públicos até os servidores públicos encarregados de fazer andar a máquina judicial (denominados de “serventuários da justiça”), como por exemplo os escrivães, chefes de secretaria, avaliadores, depositários, oficiais de justiça, porteiros, atendentes em geral, além dos assessores, como também a estrutura física mínima e indispensável para uma boa prestação jurisdicional, o que envolve os fóruns, os cartórios, as salas de audiência, as salas de trabalho, os locais de atendimento e de espera, bem como a estrutura de material de expediente, como capa de processo, papel, computadores, além de toda a estrutura de tecnologia da informação, dentre outras tantas espécies de despesas.

Ou seja, o que podia ser simples – em uma análise superficial – passa a ser bastante complexo, além de caro, pois a manutenção de toda essa estrutura é dispendiosa para o Estado. E o que é mais grave, não é vista pelos poderes e autoridades competentes nessa dimensão, sendo sempre orçamentariamente relegada a um segundo plano.

Nesse sentido, tem constituído regra em nosso ordenamento jurídico e em nossa prática forense a cobrança das chamadas “custas judiciais”, que são verdadeiras taxas que são cobradas das pessoas que buscam o Poder Judiciário, a fim de que possa ser custeada a movimentação do aparato judicial antes referido.  E é com pesar que a gente constata que essas custas judiciais são altíssimas, o que, muitas vezes, inviabiliza o acesso à Justiça, ou o acesso à prestação da jurisdição pelo Estado.  Citemos um exemplo: se você recebeu uma multa da SMTT, no valor de R$ 136,00 (cento e trinta e seis reais), interpôs recurso administrativo que restou indeferido, mas continua insatisfeito e quer questionar essa multa judicialmente, você não possui outra alternativa senão interpor a competente ação judicial na Justiça Comum Estadual. E, para fazê-lo, se submeterá ao pagamento de custas judiciais de aproximadamente R$ 95,00 (noventa e cinco reais)!  Ora, mais da metade do valor da causa, o que, levando-se em conta a demora no julgamento de uma ação desse tipo e considerando-se outros fatores, acaba por inibir a parte, que desiste de chamar o Estado para resolver o conflito, mesmo não podendo fazê-lo com as suas próprias forças.  Com certeza, não é essa a vontade constitucional!

Há exceções, porém.  E aqui começo a entrar mais diretamente no tema.  A própria lei processual criou mecanismos que objetivam ampliar cada vez mais o acesso à justiça independentemente do pagamento de custas processuais, e essa tem sido uma salutar tendência contemporânea.  Assim é que os serviços prestados pela Justiça do Trabalho são gratuitos, os serviços prestados pelos Juizados Especiais – com competência para julgar as causas de menor complexidade e de pequeno valor – são gratuitos. Além disso, a lei prevê que a pessoa que não possui condições financeiras para arcar com o pagamento das despesas processuais, sem prejuízo do seu próprio sustento e de sua família, fica isenta do pagamento das custas, recebendo os benefícios da justiça gratuita.  No caso do Estado de Sergipe, as pessoas que se enquadrem nessas condições possuem, como garantia adicional, o serviço específico das chamadas “Varas Privativas de Assistência Judiciária”, onde só tramitam processos de partes que não possuem recursos financeiros para arcar com as despesas processuais.

Quais são os fundamentos constitucionais dessas exceções? Na próxima semana adentrarei na sua exposição.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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