Café Pequeno-Quando um Nome Vira Praia

 
 
 
 
 
 
 
 

Hoje vou me permitir contar a vocês uma estorinha que acompanhei de perto e o Café Pequeno vai ser grande:

-Era uma vez…uma bela praia pra lá da Atalaia que, apartada da Fazenda Nova nos meados da década de 70, originou o Loteamento Parque de Aruana.

 

 

Aruana,  porquê, segundo os autores do projeto, Osiris S. Rocha, Otacílio e Marçal:

Sua praia é extensão da Praia de Atalaia que teve este nome desde os tempos da colonização quando ali foi instalado um fortim de vigia. Isto marcou a designação das áreas próximas (Atalaia, Atalaia Nova) o que foi levado em conta ao escolhermos o nome para o Projeto – Aruana do tupi Arõana, vigia – é um nome com excelente fonética perfeitamente integrado na toponímia regional e no quadro histórico da cidade.”

A praia de Aruana é, portanto, invenção do Loteamento Aruana e o desenho ambiental da área resultado do seu Projeto Urbanístico. Um desenho que, por sinal já em 1975, contemplava a preservação das lagoas naturais pela Av. dos Náufragos e a cadeia de dunas existentes na praia.

Esse visionário desenho paisagístico resultou no atrativo natural de Aruana que, aliado à poderosa marca do nome, a consagrou como um dos mais famosos pontos de praia de Aracaju, apesar de tão pouco tempo de vida.

 

 

Aruana já foi um pouco de tudo: de refúgio alternativo, quando o acesso era a pé pelo “banho da draga”, foi também “point” de surfistas e local recôndito para encontros amorosos. Nunca vou esquecer quando em 1986 íamos para lá à noite, munidos de lunetas e telescópios, para ver a passagem do Cometa Halley.

 

Naquela época o loteamento apresentava dois tipos de construção: as residências projetadas e as palhoças de madeirit coloridas de beira da praia, charmosos bares em deks de madeira, reminiscências talvez, das antigas moradias dos mestres e pedreiros construtores do loteamento, inspirados na arquitetura caiçara das praias brasileiras.

 

E assim a Praia de Aruana, tradicional ponto turístico de Aracaju, e parte da sua história emocional foi, até a construção do prolongamento da Sarney, o último recanto paradisíaco das, por demais urbanizadas, praias de Sergipe.

 

Com a construção desse trecho de ligação entre a Atalaia e a Sarney sua paisagem natural foi profundamente ferida e as dunas, que compunham o cenário de fundo dos bares, cortadas criando uma visão depreciativa de Aruana até então conhecida, apenas, pelo ponto de vista da praia.

E o que antes era um paraíso passou à condição de estreita faixa de terra, expondo a precária situação sanitária dos bares dando início ao processo que culminaria com a demolição das palhoças existentes.

 

Mas houveram tentativas de resolução do problema. Em 2001 nós, da Ana Libório Arquitetos Associados, fomos contratados pela ASSOCIAÇÃO DE DONOS DE BARES DE ARUANA, para desenvolver um projeto que compatibilizasse os diversos interesses.

 

 

A equipe multidisciplinar composta por arquitetos ambientalistas, engenheiro sanitarista, historiador e sociólogo elaborou um estudo minuncioso que visava à preservação da paisagem natural e à sua recuperação ambiental minimizando o impacto sanitário da ocupação, porém preservando parte da pré-existência e alguns "cases" de sucesso como o Botequim.com e o Forró do Candeeiro. Empreendimentos de certa forma permitidos uma vez que nenhuma ocupação ilegal surge sem consentimento.

 

A singularidade e sua importância para a atividade turística em Aracaju, fazia de Aruana uma praia especial que requeria tratamento diferenciado na aplicação dos parâmetros urbanísticos, considerando ser a ocupação anterior à rodovia. Além do que o caráter social e a condição de pré-existência não poderiam ser ignorados num contexto de política de inclusão.

 

O projeto arquitetônico, discutido e aprovado por todos em reuniões plenárias promovidas pela associação, foi então apresentado aos representantes dos órgãos públicos para discussão em reunião com a participação da imprensa, políticos e formadores de opinião e, até hoje, me pergunto onde foi que a coisa desandou.

Optou-se pelo confronto ou, talvez, quem sabe as notórias forças ocultas…

Só não tenho dúvidas que fizemos um trabalho profundo onde resgatávamos a arquitetura típica das praias sergipanas, anterior ao fenômeno “Orla”.

A tipologia construtiva foi exaustivamente estudada nos antigos bares de madeirit remanescentes na época, e a utilização de materiais regionais como palha, troncos de coqueiros, cordas e esteiras trançadas, com tecnologia construtiva local e execução em  mutirão daria viabilidade econômica e plasticidade ao conjunto.

Mas como a ninguém foi, ainda, proibido sonhar quem sabe não veremos, um dia, essa ideia erigida em alguma outra praia de Sergipe, num lugar onde preservação ambiental não seja apenas mero instrumento de retórica.

P.S.- Fotos do Bar Katmandu projetado pelos arquitetos Ana Libório & Gândar Jr e protótipo do que poderia ter sido a bela Praia de Aruana!

 

Redescobrindo Sergipe-Foto Ana Libório

 

 

  (Rocha, Osiris S./Costa, Otacílio T./ Fonseca Marçal R. da. “Aruana. Memorial Descritivo do Projeto”. Aracaju, 1975, pg. 02).

 

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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