Carta a Hyder Gurgel

     Aracaju, 10 de março de 2015

    Querido professor, confrade e amigo!

    “Há um instinto de imortalidade na santidade. Aquele que vive com Deus sabe que viverá para sempre” ( Dom Estevão Bittencourt ).

    A Academia Sergipana de Medicina curva-se diante do seu  corpo inerte e seu pavilhão posta-se aos seus pés, em sinal de gratidão e respeito. Rejubila-se com o seu espírito que agora habita os tabernáculos do Senhor! Por entender a posição da Medicina na comunidade, você se tornou um líder de sua classe e um modelo de médico.
   Como médico pediatra, ao lado de Machado e Paulo Carvalho, você foi um dos tripés da nossa Faculdade de Medicina tanto na sua fundação, quando lecionou por quase dois anos sem nada receber pecuniariamente e depois por longos anos com dedicação até a aposentadoria. Exerceu funções públicas com responsabilidade, probidade e zelo.
    A sua recordação da Gruta do Boqueirão, em Lavras da Mangabeira, no Ceará, sua terra natal, encheu-nos de emoção quando lhe visitamos na semana passada, na companhia dos confrades José Hamilton Maciel Silva, Antonio Samarone, Anselmo Mariano Fontes e Geodete Batista, esses dois últimos colegas de especialidade. Já acometido da insidiosa enfermidade, você nos recebeu afetuosamente, denotando um humor e raciocínio apurados, apesar do abatimento físico, ao lado da companheira de toda a vida, a sua querida Rosa.
    Estávamos naquele momento diante de um homem de origem humilde que, superando todas as dificuldades, constituiu uma sólida família em terras sergipanas e atingiu os píndaros da glória profissional, como pediatra, professor pioneiro da Faculdade de Medicina, empreendedor vitorioso, gestor engajado, que na condição de chefe do Departamento de Saúde de Aracaju criou, na década de 60, o primeiro centro de reidratação venosa do Nordeste brasileiro, sendo também um dos fundadores da Sociedade Sergipana de Pediatria e da Academia Sergipana de Medicina, da qual foi presidente, de 2001 a 2003 e um dos seus mais atuantes membros.
    Sentimo-nos gratificados em ver você presente, calmo, de bem com a vida e a emoção que contagiou a todos naquele momento só não foi maior que a minha, em particular, pela oportunidade e o privilégio que tive de conviver com você, em torno da nossa Academia de Medicina, a “Casa de Gileno”, a sua Casa, Dr. Hyder, instituição que tão grande contribuição vem trazendo para o resgate e a preservação da história da Medicina de Sergipe, e da qual você foi um protagonista destacado.
   Sei muita coisa de sua história, que você estudou Medicina na Bahia, formando-se em 1951. Que seu irmão Hugo, mais velho, já estabelecido em Aracaju como obstetra, puxa você para Aracaju, dois anos após a sua formatura. No Hospital Cirurgia, dividiu o atendimento das crianças com José Machado de Souza. Como professor pioneiro de pediatria, ensinou os seus conceitos de atenção à criança e, fato inusitado, incentivou também os seus alunos a economizar água, evitando desperdícios do precioso líquido,  talvez por conhecer como ninguém as agruras de sua terra de origem, na luta contra a seca, como bem lembrou Antonio Samarone.
   Que mais poderia desejar um homem, na face da terra, do que ter uma sólida família e o reconhecimento e admiração de seus colegas, ex-alunos, amigos e confrades, pelas realizações e conquistas? Muito pouco, Dr. Hyder!
   Gostaria que você transmitisse algumas palavras à sua querida esposa, Rosa Queiroz Gurgel. Diga-lhe que, ao seu lado, ela foi um personagem ativo no trabalho diuturno na saúde pública e privada, construindo a dois uma história de realizações, superando com sabedoria e resignação os momentos adversos que encontraram pelo caminho. Soube muito bem conviver todos esses anos com a força da união, dedicados um ao outro com afeto, respeito e amor. Souberam mais. Souberam transmitir aos filhos bons ensinamentos de educação, ética e forte personalidade.
   Diz uma das lendas que corria nas Lavras da Mangabeira, que se o menino de calças curtas conseguisse, de fora da Gruta do Boqueirão, cutucar com longa vara a  mesa e derrubar toda aquela riqueza, assustava-se ao ver que, em poucos minutos, tudo estava novamente composto. Assim é a vida. Quantas baixelas de ouro e de prata não derrubamos pela vida e que depois foram se recompondo?
   Dedico a você, para encerrar essas mal traçadas linhas, as palavras do poeta José de Góis Duarte, dirigidas postumamente a Dr. Augusto Leite, patrono da cadeira três, que você ocupou na nossa Academia desde a sua fundação, em 1994.

" Sublime missão de todo dar-se no exercício pleno da bondade; a prática do Bem, da Caridade; ao amor espontâneo – fruto d'alma – lenitivo sem par que a dor alheia acalma”. Afirma: "Este não morrerá! Este não morrerá, pois que não morre quem de todo se dá, quando socorre ou a quem fere a dor, nos caminhos do mundo".

    Dr. Hyder Gurgel, repouse em paz!

    P.S – Um dia a gente se encontra!

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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