Depois de muita insistência, especialmente a da minha irmã Rosa Helena, resolvi deslizar nas ondas cinematográficas embaladas por Breno Silveira. Depois de tanta recomendação, lá estava eu, sentado em uma poltrona confortável, assistindo ao filme “Dois filhos de Francisco”. Mesmo nunca tendo mencionado qualquer coisa sobre o assunto, o interessante é que todos interpretavam a minha recusa em surfar no oceano de “Zezé de Camargo e Luciano” a um alegado preconceito contra os milhares de cantores sertanejos que se esparramam pelos palcos, shows e intermináveis filas de programas de auditório. É bem verdade que o preconceito ou o não-gostar de música sertaneja tem influenciado alguns cinéfilos de plantão, fazendo-os fugir da bilheteria como o diabo foge da cruz. É ainda verdadeiro afirmar que na galera da exclusão também se inclui aqueles que se recusam a assistir filmes brasileiros, embora geralmente não gostem de publicamente confessar. Mas também é igualmente certeiro afirmar que quem superar estas barreiras não se arrependerá, pois, como aconselha o crítico Rubens Ewald Filho, descobrirá, “sem preconceitos, o melhor filme nacional do ano, o mais bem resolvido e mais eficiente”. E realmente tem ele razão, pois o filme retrata com fidelidade a vida diária de vários pais, mães e filhos do Brasil, vitimados por um país que adora cantar a canção da desigualdade, emocionar-se com a melodia da corrupção e vibrar com a exploração de suas crianças. Revela, com dura maestria, a dor daquelas famílias que são diariamente jogadas na estrada da vida, carregando em suas remendadas mochilas tão-somente os sonhos de um mundo melhor. Desnuda, sem qualquer corte, o quanto a realidade faz escorrer pelos caminhos estes sonhos tão inabaláveis. Faz-nos perguntar pelos Franciscos, Marias, Joaquins, Josés, Celinas, Joãos e milhões de pais que escutam o choro desperdiçado de suas crias, sufocado pela surdez crônica de uma sociedade elitista e preconceituosa. Faz-nos indagar pelas crianças exploradas pelos atentos empresários das desgraças alheias, transformadas em descartáveis máquinas caça-níqueis nos corredores e bares da vida. Faz-nos lembrar das escolas públicas abandonadas e das merendas escolares desviadas, úteis apenas para alimentar a crônica fome de políticos que adoram cantar a “inteligente” canção do “rouba, mas faz”. E ficamos, assim, a imaginar quantos brasileiros nascem trazendo esperança para uma casa necessitada de luz, esperando apenas uma oportunidade para fazer passado a escuridão. E ficamos a somar o número de pessoas que crescem sabendo que são predestinadas a brilhar, senão não teriam nascido com esta luz tão especial. E ficamos a calcular quantos talentos são enterrados no Brasil ou cooptados para a marginalidade, indigentes em um mundo que preferiu viver na penumbra da insensibilidade. Mas também nos faz sentir que a luz do talento, apesar de muitos, pode brilhar no fim do túnel de alguns filhos do Brasil, acendendo a esperança de uma chama que poderia se eternizar. Afinal, se deu certo para Zezé de Camargo e Luciano (nascidos Mirosmar e Weston), dois filhos do lavrador-pedreiro-sonhador Francisco, poderia dar certo para os demais filhos do Brasil. Escrevendo em outras palavras: se o talento ousou vencer com eles, poderia estimular, renascer, reencarnar ou simplesmente brilhar com outras pessoas. Esta, talvez, seja a grande lição do filme, mostrar que os filhos do Brasil não são diferentes dos outros filhos do mundo, milhões de crianças talentosas à espera de uma chance, lutando para fazer valer a sina preanunciada, nunca desistindo, nunca parando de acreditar. Mostrar, ainda, que a luz que faz brilhar o talento atende pelo nome da solidariedade social, poeticamente também chamada de amor ao próximo. É o que fez Zé de Camargo, cantar “é o amor que mexe com minha cabeça e me deixa assim, que faz eu pensar em você e esquecer de mim, que faz eu esquecer que a vida é feita pra viver; é o amor que veio como um tiro certo no meu coração, que derrubou a base forte da minha paixão e fez eu entender que a vida é nada sem você”.
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