Ir ao cinema faz parte do meu roteiro semanal, mesmo nos tempos mais atribulados e recheados de viagens. Não escolho gênero, nacionalidade, diretor, roteirista, ator ou atriz. Basta-me o filme. É que não entendo o cinema apenas como diversão, mas, sobretudo, com a possibilidade de aprender com a arte ou a história alheia. E como diversão, arte e história não têm limites, não seria o cinema quem o autor da censura.
O meu gosto pelo cinema vem do tempo de infância, quando, ainda guri, iniciava a vida na minha Propriá. Não poderia ser diferente, pois poucas cidades do interior tinham uma efervescência cultural tão rica quanto aquela abençoada pelas águas do Velho Chico. Na época de guri Propriá agasalhava três grandes e modernos cinemas (Propriá, Fernandes e Veneza), todos eles sintonizados com o que acontecia no circuito nacional de filmes. E foi conversando sobre filmes e Propriá que nasceu o script desta pequena crônica, mais precisamente após conversar com o amigo-cinéfilo-propriaense Thenisson Santana Dória.
Começamos a conversa falando de alguns filmes marcantes, bem assim daqueles em que aguardávamos a estréia. Eis que, para desconsolo dele, comentei que a pipoca também fazia parte de uma boa sessão de cinema. O que ele de pronto concordou, porém para concluir que fazia parte de “uma boa excludente sessão de cinema”. É que, segundo ele, não há nada mais desestimulante do que o ranger de dentes devorando o silêncio, a concentração e o charme de um filme. Depois da divertida e radical divergência, chegamos ao consenso de que realmente existe uma relação direta entre a platéia e o filme exibido. Para melhor ou para pior.
Não paramos aí. Como cinéfilos assíduos e personagens ativos do elenco da platéia, também concluímos que cenas cinematográficas ocorrem do lado de cá. Basta que olhemos a platéia com a visão refinada de um diretor de cinema ou a originalidade de um roteirista. Um bom ou péssimo filme certamente será exibido. E se o preconceito for afastado, vários gêneros e personagens serão reproduzidos neste inusitado “cineplatéia”.
Para quem gosta do gênero mais romântico, poderá encontrar nos casais que se entrelaçam nas apertadas poltronas os personagens mais perfeitos e variados, pouco importando a cor, sexo ou idade dos escolhidos. Quando a idéia for dar um pouco de dramaticidade a este romantismo, pode-se observar que vários deles estarão “discutindo a relação amorosa”, insensíveis ao querer de um dos parceiros ou dos coadjuvantes que são obrigados a embarcar naquela discussão amorosa, não raro interferindo pedindo respeito e silencio. Destes ainda se pode apimentar com um triller erótico ou um clássico pornô, mesmo quando o horário e o público presente se mostrem incompatíveis.
A comédia tem na platéia uma fértil fonte de inspiração. É lugar comum os gaiatos comentarem cenas públicas, derrubar pipocas e refrigerantes nas pessoas, inclusive alguns pastelões transformados em pedaços de papel. Exibem-se até aquelas reprisadas comédias americanas, principalmente quando grupos de adolescentes resolvem imitar, com a mesma imperfeição caricata, o que se passa na telona. Destaca-se no cenário, embora não sabendo se enquadrado neste gênero, o constante entra-e-sai das mulheres durante os filmes, buscando desesperadamente o banheiro perdido.
Mas o primor deste estilo, segundo presenciei, aconteceu no velho, charmoso e propriaense Cine Fernandes. A cena, ao que me lembro, aconteceu durante o famoso drama “E o vento levou”. Aproveitando-se da cena em Scarlet O’Hara (Vivien Leigh) acenaria antes do seu derradeiro suspirar, provocando infindáveis choros na platéia, o comediante de plantão, que assistira ao filme no dia anterior, levantou-se da sua poltrona e, para espanto e delírio de todos, gritou dramaticamente: – Scarlet, meu amor! Antes de morrer, faça algum gesto para mim, acene ou mande um beijo demonstrando o quando me ama.
Filmes de violência e tragédia podem ocorrer, como de fato ocorreu na sala cinco do Morumbi Shopping, quando o estudante Mateus da Costa Meira, empunhando uma submetralhadora americana, matou três pessoas. Ou mesmo cena de terror, como jura acontecer com uma querida amiga, pois, segundo ela, tem sempre alguém chutando a sua cadeira, mesmo quando ninguém está sentado atrás ou ao lado. O estilo realmente não falta, desde que estejamos atentos ao que se passa na platéia. E se assim estivermos, nunca haverá monotonia no inusitado “cineplatéia”, salvo para aqueles que têm na telona o único interesse buscado.
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