Participei, na semana que passou, do II Encontro Luso-brasileiro de Juristas do Trabalho, realizado na portuguesa cidade de Coimbra. A mesma cidade que agasalhou os sonhos, projetos e perspectivas de milhares de brasileiros, desde o nascer da intelectualidade nacional. A Coimbra que encantou o Brasil desde os tempos coloniais demonstrava, no presente, que permanecia atual e ativa na sua função de contribuir para o avançar e a consolidação do saber humanitário. E eu, neste cenário simultaneamente nostálgico e moderno, tinha como tarefa levar a experiência brasileira no campo da negociação coletiva, motivando um debate que não se perdeu ao longo do tempo.
Não poderia, portanto, recusar ao honroso convite, até porque poderia propor medidas, conversar e trocar experiências sobre um dos temas mais importantes no que se refere ao conflito capital-trabalho. Ainda mais para mim, vez que na condição de advogado exerço um papel semelhante ao de uma testemunha privilegiada, presente na cena do conflito, embora se possa alegar que suspeita e viciada pelos meus conceitos e preconceitos. Suspeição que reconheço de público, pois forjada na compreensão sentida na prática de que legislação brasileira sempre teve uma visão oligárquica no que se refere as questões sociais, com desdobramentos para as formas de solução do conflito coletivo de trabalho e a deliberada política de enfraquecimento da organização dos trabalhadores, exatamente um dos lados da contratação coletiva.
Esclareço, então, as bases desta minha compreensão, para que não se alegue que apenas fundada em razões sentimentais ou profissionais. Uma das motivações tem conteúdo histórico-ideológico. É que carrega o Direito do Trabalho todo conflito que dividiu o mundo em dois, principalmente porque a Revolução Comunista de 1919 era compreendida como a vitória dos trabalhadores e buscava implantar a velha e viva ameaça socialista de uma sociedade igualitária e sem classes. Outra, decorre da constatação de que a sociedade, com o passar dos tempos, foi “convencida” desta “verdade absoluta”, passando a “acreditar” que os sindicalistas eram “inimigos terríveis”, “adversários do seu jeito ocidental de viver”.
Um preconceito que sempre refletiu nos operadores do direito e, consequentemente, nas decisões judiciais. Basta lembrar que o Direito do Trabalho é pouco estudado nas universidades brasileiras, sequer constando do currículo obrigatório a disciplina Direito Sindical. Em função deste proposital descaso o Direito do Trabalho, a Justiça do Trabalho, a contratação coletiva e os advogados trabalhistas são apresentados, respectivamente, como “sub-direito”, a “feira”, “fonte secundária de direito” e “profissionais de porta-de-fábrica”. Resultado: a sociedade e os juristas pouco se interessam pelo mundo do trabalho, embora deste mundo participe a maioria esmagadora da população brasileira.
Eis porque não atribuo à coincidência o fato de que o direito ao trabalho, com o apoio consciente ou não dos operadores do direito, tenha se reduzido a um simples e secundário elemento inserido nos custos de produção. Também não confiro ao acaso o aumento da tecnologia excludente do trabalho humano, a expansão da informalidade e da precarização das relações de trabalho, a cada vez mais constante desnacionalização das indústrias e empresas, o incontrolável subsistema socioeconômico que vive da atividade criminosa ou ilegal, a terceirização fazendo reduzir a concentração operária nas grandes indústrias e empresas. Nada é coincidência, nada é acaso, tudo decorre da compreensão “moderna” atribuída ao direito ao trabalho.
Talvez em razão destes e outros fatores, pouco importando a ordem, os juristas portugueses tenham afirmado nos debates que a imagem figurada que o Brasil reflete no exterior é a mais injusta possível. Eles acreditam que, no Brasil, o processo de solução do conflito coletivo adotado é aquele em que, de um lado, está o trabalhador completamente amarrado e, do outro, o poder econômico completamente livre para impor a sua vontade, e quando conjunturalmente enfraquecido, contando com a pronta intervenção do Judiciário. O desemprego, a concentração de rendas, o trabalho escravo, a exploração do trabalho infantil, dentre outros, são reflexos claros do afastamento das organizações dos trabalhadores do chamado “mundo moderno e global”.
As conclusões extraídas de Coimbra não podiam ser mais acertadas. Afinal se os juristas e trabalhadores brasileiros não afastarem o preconceito contra o Direito Coletivo do Trabalho o futuro do direito ao trabalho será previsível. O tempo reservará aos brasileiros a inexistência de trabalho digno, como já está a acontecer em países asiáticos. Aliás, a escola da vida há muito está a assim dizer, lição pouco aprendida.
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