Tenho recebido regularmente e-mails e comentários sobre as crônicas aqui publicadas, alguns deles elogiando a forma diversificada com que abordo diversos temas, não me prendendo a um único assunto ou visão sobre determinado tema. De tanto insistirem nesta abordagem, passei a desconfiar de que é a diversidade, e não a qualidade, o principal diferencial das prosas que semanalmente publico. È que a liberdade para escolher os temas, além de evitar a monotonia decorrente da monogamia temática, tem a grande vantagem de impedir que eu escreva sobre o que não sei ou não esteja preparado para escrever. O que é de uma grande utilidade, pois a lista do que não sei ou não consigo compreender é infinitamente superior àquela que conheço ou julgo entender. Não escrevendo sobre o que eu não sei, por ignorância, falta de informação ou outro motivo qualquer, tenho a chance de acertar um pouco mais. E quando erro, ainda posso chutar uma desculpa futebolística, ressaltando que estou me preparando “para dar a volta por cima”; pois “escrever é isso mesmo”, “tenho que levantar a cabeça e na próxima escrever melhor”. Nunca compreendi, por mais que tenha me esforçado, qual foi o lucro que o Brasil teve quando vendeu suas empresas estatais, principalmente se as nossas dívidas externas, apontadas como sendo a finalidade das transações, aumentaram consideravelmente. Não entendi porque disseram que era lucrativo privatizar a Vale do Rio Doce por um preço irrisório, já pago com o seu próprio lucro, da mesma forma como fizeram com as empresas de telefonia e petroquímicas. Confesso a minha mais completa ignorância no que se refere à lógica comercial das vendas dos bancos estatais, especialmente quando divulgaram que o governo ficou com a “lucrativa parte pobre dos débitos”, repassando para os “infelizes” compradores todo o patrimônio do banco por apenas um real. Também não consigo entender porque os mercados, embora voláteis, dão lucros aos especuladores de sempre, independentemente das bolsas subirem ou descerem, o dólar oscilar ou sejam os juros extorsivos ou não. Não compreendo porque os banqueiros dizem que cobram pelos serviços bancários para compensarem prejuízos, se os bancos são exageradamente lucrativos no Brasil. Não sei o motivo pelo qual os dirigentes do Banco Central, independentemente dos governantes que os indiquem, são sempre ligados às atividade que deveriam fiscalizar, voltando livremente à elas após adquirirem as informações privilegiadas fornecidas pelo cargo. Não achei ainda a razão científica, por mais que tenha pesquisado, para que alguns moradores de Brasília não busquem se curar doença do esquecimento, da crônica amnésia governamental ou mesmo da metamorfose deformadora que transformam “governistas de nascimento” em “oposicionistas de carteirinhas”, e vice-versa. Não consigo saber porque corruptos notórios são constantemente apontados e bajulados como homens sérios e exemplares, não raro apontados como modelos de pureza. Não percebo a nexo da paixão de São Paulo por Maluf, ao mesmo tempo em que vários paulistanos não perdem a oportunidade de externar o seu preconceito contra os nordestinos, exatamente por achá-los corruptos ou malufistas. Não sei a razão das empresas áreas se queixarem de que estão quebradas, quando se sabe que as passagens brasileiras estão entre as mais caras do mundo e os vôos estão sempre lotados. Não descobri, por mais que tenha perguntado, porque é mais caro viajar para Brasília do que passar sete dias em Bueno Aires e Bariloche, com hotéis e traslados pagos, inclusive com as quatro passagens aéreas incluídas no preço. Não consigo absorver como aceitável a afirmação de que se está apostando no desenvolvimento do turismo sergipano, quando se observa que aqui se pratica as passagens mais caras do Nordeste. Não consigo encontrar a lógica jurídica de uma decisão judicial que decreta por liminar uma greve ilegal, se a Constituição Federal reconhece expressamente este direito para os trabalhadores brasileiros. Não sorvi ainda a razão porque disseram que não aumentar o salário-mínimo causa prejuízos à Previdência Social, se fizeram a dura Reforma da Previdência exatamente para que pudesse ser aumentado o próprio salário-mínimo. Não sei porque o Governo Lula adorar externar a sua “competência” para transformar questões irrelevantes em escândalos nacionais, bem assim a “oposição” esquecer que nos tempos que era “situação” as coisas ocorriam da mesma forma. Não compreendo integralmente vários outros assuntos, mesmo porque não se obtêm facilmente respostas oficiais claras e precisas. Mas como tenho liberdade para transformar as minhas dúvidas em crônicas, arrisco o meu palpite e suspeitas sobre estas e outras questões, mantendo, de quebra, a diversidade que tem se tornado a minha arma secreta. E como faço nos e-mail que respondo, peço ajuda e comentários, algumas vezes apenas para aumentar a quantidade das coisas que não entendo. * Cezar Britto é advogado, conselheiro Federal da OAB e presidente da Sociedade Semear. cezarbritto@infonet.com.br