Não se tem qualquer dúvida do efeito terapêutico causado pelo impeachment do ex-presidente Collor, pois fez o Brasil sonhar que era possível extirpar definitivamente o câncer da corrupção. E não é sem razão esta certeza, vez que, com a queda do mandatário maior da nação, a cidadania brasileira passou a acreditar na boa lógica de que “quem pode o mais pode o menos”. Depois do feliz e histórico episódio, as denúncias de corrupção passaram a ser investigadas rigorosamente, não raro gerando punições para os amantes da coisa alheia. Com as cassações de senadores, deputados e prefeitos, os brasileiros começaram a gozar da sensação de que a corrupção não era uma doença incurável na vida pública, mesmo porque pareciam eficazes os remédios aplicados para curar os seus efeitos. Dentre os milagrosos remédios receitados, a mobilização organizada da cidadania e a ação investigativa da imprensa sempre foram apontados como vedetes da farmácia não-oficial. A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e a ABI (Associação Brasileira de Imprensa) quando prescreveram o pedido de impeachment, através dos seus respectivos farmacêuticos-sociais Marcelo Lavènere Machado e Barbosa Lima Sobrinho, demonstraram a importância curativa deste importante segmento. Já no campo do hospital público, não querendo excluir qualquer outro, as iniciativas medicinais geralmente começavam com a participação do Ministério Público, da Polícia Federal e das famosas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI). Entretanto, apesar de toda vigilância, a doença da corrupção ainda consegue sobreviver, contaminando vários políticos e agentes públicos, especialmente aqueles encarregados de zelar pelos inúmeros cofres públicos espalhados pelo país. Quando o ex-presidente FHC lutou e conseguiu abortar a CPI destinada a apurar as gravíssimas denúncias de corrupção de seu governo, principalmente aquelas vinculadas às milionárias privatizações e aos auxílios indecorosos a bancos privados, reconheceu publicamente que o câncer ainda nos contaminava. A recentíssima Operação Anaconda é outro sintoma da sobrevivência dessa doença, agora também com o diagnóstico de que o Poder Judiciário fora por ela duramente contagiado, como anteriormente já o fora com o famoso Caso Lalau. Reconheço que combater a corrupção, curando o Brasil de sua nefasta ação degenerativa, não é tarefa fácil, mesmo porque seus potentes vírus sofrem constantes mutações, criando novas resistências aos remédios e vacinas ministrados. O lógico seria, então, aumentar a capacidade e a tecnologia curativa, desenvolvendo e aperfeiçoando vacinas, remédios e intervenções preventivas. Afinal, se o objetivo é tornar o paciente imune ao contagioso ataque da corrupção, tornar eficiente a terapia receitada é a medida mais sensata que se pode esperar do médico plantonista. Porém, para desilusão da até então esperançosa cidadania, os governantes e políticos brasileiros parecem que resolveram abandonar o bom combate, destruindo os esforços e estudos até então aplicados. Diariamente somos cientificados de que os remédios utilizados para enfrentar a corrupção estão sendo abandonados ou destruídos, como se absurdamente tivessem perdido a validade ou a eficácia. Talvez estejam querendo nos convencer de que matar o paciente é também uma forma de cura. Deve ser por isso que resolveram matar qualquer possibilidade de instauração de uma CPI no Senado, que para ser sepultada basta apenas a interessada maioria governista não indicar os seus representantes. Também deve ser esta motivação mórbida que continua mantendo a Polícia Federal sem os recursos necessários para que se investigue cada denúncia de corrupção que surge no país. Provavelmente não é outra a razão porque querem amordaçar a ação do Ministério Público ou impedir a criação de um eficiente controle externo para o Poder Judiciário, como, aliás, já externou Deputado Federal José Jorge, quando propôs retirar do futuro Conselho Nacional de Justiça a possibilidade de afastar definitivamente o magistrado corrupto. O Partido dos Trabalhadores ganhou a confiança da cidadania exatamente porque defendia ardorosamente a ética na política, tendo se transformado, inclusive, em um dos remédios eficientes no combate à corrupção. Acreditava-se que, sendo o maior sustentáculo do Governo Lula teria, finalmente, as condições políticas para efetivar as suas vencedoras propostas terapêuticas. Mas, venhamos e convenhamos, arquivar CPI, defender leis que amordaçam o Ministério Público, fragilizar o controle externo sobre o Poder Judiciário, deixar à míngua a Polícia Federal, dentre outras medidas, somente servem para corromper a eficiência dos próprios remédios. * Cezar Britto é advogado, conselheiro Federal da OAB e presidente da Sociedade Semear. cezarbritto@infonet.com.br