Sempre que uma quadrilha é desmantelada ou quando se descobre um esquema de corrupção, ainda que nos mais distantes cantos do Brasil, não é raro ser apontada a participação ativa ou cúmplice de um policial. Assaltos, seqüestros, abuso de poder, chantagens e homicídios, dentre outros, recheiam os noticiários brasileiros, ironicamente tendo alguns policiais como principais agentes da trama criminosa. As revelações da chamada Operação Anaconda e o envolvimento de policiais federais na liberação de contrabando são exemplos recentes que chocam a comunidade, mesmo quando já acostumadas com escândalos e violências.
O Estado de Sergipe, também incluído no mapa brasileiro da violência policial, não poderia deixar contribuir com as estatísticas nacionais, aqui e acolá apresentando casos de abusos e participações criminosas. É bem verdade que aqui os abusos cometidos por policiais se situam basicamente em ações individuais e isoladas, pouco se falando na existência do que a sociedade chama de “crime organizado”. Mas também é verdade que Sergipe convive com crimes exageradamente organizados para que se tornem perfeitos ou insolúveis, evidentemente com a ajuda escritora da caneta policial.
A grave e interminável novela que teve início com o brutal assassinato do ex-deputado estadual Joaldo Barbosa é, sem dúvida, o mais destacado exemplo de descaso, ineficiência ou cumplicidade policial. Fugas consentidas, suicídio misterioso, morte e desaparecimento de testemunhas, denúncias não apuradas, conflitos e acusações recíprocas entre autoridades policiais, são alguns dos acontecimentos que temperaram com o gosto da tragédia cada episódio dessa absurda novela policial.
Para piorar o que já era gravíssimo, os acontecimentos mais recentes extrapolaram os limites da compreensão razoável, se é que eram compreensíveis as cenas anteriormente passadas na tela da vida real. É que, talvez achando monótonos ou velhos os capítulos anteriores, o ano iniciou com outros dramáticos episódios, agora com denúncias de que autoridades públicas estavam realmente colaborando com os acusados, inclusive informando-lhes das investigações policiais e dos mandados judiciais expedidos. Mais ainda, foi divulgado que os policiais federais não mais confiavam nos seus colegas estaduais.
A simbologia trágica estaria na informação de que o fugitivo Antônio Francisco, o ex-deputado estadual acusado de ser o principal mandante do brutal assassinato, estava sendo diariamente escoltado e protegido por policiais sergipanos, inclusive com uma ambulância pública à sua disposição. É escrever em outras palavras, não estava ele preso porque setores da polícia não queriam assim agir, pois se recusavam a cumprir uma ordem judicial inquestionável. Com este recente capítulo, a credibilidade da Secretaria de Segurança Pública, já anteriormente acusada de ser responsável pela fuga de Floro Calheiros, o outro fugitivo pelo mesmo crime, atingiu o seu maior índice de desaprovação.
Todo dia um novo capítulo é escrito ou divulgado, inclusive com juras de inocência e promessas de que novas tragédias ocorrerão. Infelizmente, a sociedade sergipana não está acompanhando as cenas de uma obra de ficção policial, onde a crítica do leitor ou do telespectador apenas serve para abalizar o talento do escritor ou auferir os índices de audiência. Na novela da vida real o desfecho da trama é mais complexo, pois interfere diretamente no direito da sociedade viver em segurança, protegida pelo aparelho policial e confiante de que a polícia é uma grande aliada.
Fazer com que a sociedade confie e acredite na sua polícia deveria ser prioridade de toda política de segurança pública, até como forma de homenagear a esmagadora maioria de policiais sérios e dedicados ao seu mister. Afastar e punir os policiais que se deixam seduzir pelos “encantos da marginalidade” e esclarecer todos fatos nebulosos que envolvem determinados crimes são medidas urgentes e fundamentais para elevar este índice de credibilidade. Afinal, não basta que a polícia combata o crime organizado, necessário se faz também que também descubra e desmantele todo e qualquer organizado crime, especialmente aqueles com contam com as assinaturas de alguns de seus membros.