Há milênios o filósofo grego Aristóteles conceituou a democracia como forma de governo. E Abraham Lincoln enfatizou que no Estado democrático o governo deve ser do povo, para o povo e pelo povo.
A história, em verdade, tem demonstrado que a vontade popular tem sido ficcional. Até mesmo na Grécia antiga, berço da democracia, onde era praticado o modelo de democracia direta, não passava de uma aristocracia democrática. Isto porque a grande maioria do povo grego, submetida à escravidão, dela não participava.
No mundo moderno concebido em Estado-nação, a democracia viável é a de bases representativas. Nessa configuração, o professor Paulo Bonavides, em genial síntese, leciona que “o poder é do povo, mas o governo é dos representantes, em nome do povo.”
Ressalte-se, porém, que o Estado democrático não mais comporta uma forma de governo restrita à democracia indireta ou representativa, mas avança para a concepção de democracia semidireta que contemple mecanismos de participação direta do povo nas decisões fundamentais do país, mediante plebiscito, referendo e projeto de lei de iniciativa popular; um sistema político pluripartidário em que haja eleições periódicas livres e limpas, com alternância pacífica do poder; controle social e garantias jurídicas consubstanciadas no Estado de Direito, onde a soberania popular elege, revoga e também legisla em prol dos anseios sociais.
As retumbantes manifestações expressadas recentemente nas ruas de todo Brasil bradam por justiça social através de reformas estruturantes que garantam eficiência e moralidade do serviço público. O clamor das ruas retrata a maturação da consciência coletiva sobre a necessidade premente do rompimento com o modelo político exaurido. O que a sociedade brasileira exige é a efetivação das normas sociais programáticas previstas há 25 anos na Constituição Federal.
Antes de tudo, é imprescindível curar a política. É inconcebível reformas na estrutura do Estado sem uma ampla e profunda transformação do sistema político.
O grito consciente das ruas ecoa por reformas sociais. E isso se faz com e pela política. O conjunto majoritário da sociedade brasileira pode repudiar a política, mas, inexoravelmente, é através dela que se conquistam as mudanças almejadas. Platão, filósofo grego, vaticinava que “não há nada de errado com aqueles que não gostam de política, simplesmente serão governados por aqueles que gostam.”
Nessa conjuntura de ebulição da nação brasileira, emerge o fundamental debate sobre a reforma política. O Congresso Nacional pressionado a responder à insatisfação popular, tenta, ainda atabalhoada e timidamente, encontrar consenso para a reforma política tão postergada. Não conseguirá! Os empecilhos subjetivos e objetivos são vários e inconciliáveis. Creio que só a mobilização nacional da sociedade civil organizada terá condições de conduzir a reforma política estrutural.
O Conselho Federal da OAB, a CNBB e o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral lançaram campanha de mobilização nacional em defesa do projeto de lei de iniciativa popular sobre reforma política. As entidades têm como premissa o fortalecimento da democracia e da cidadania brasileiras. Por isso instigam o debate popular sobre relevantes propostas que, se aprovadas no Congresso Nacional, fatalmente irão provocar mudanças fundamentais no sistema político brasileiro.
O eixo central do pretenso projeto de lei de iniciativa popular atine em percucientes mudanças no sistema político e no financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, com objetivos de debelar a corrupção, de politizar o debate político e de qualificar a representação popular. Em linhas gerais, dentre outras, o texto prevê eleições primárias internas nos partidos políticos para a escolha entre os filiados da lista dos candidatos aos cargos eletivos em disputa; eleições proporcionais para Deputados Federais, Estaduais, Distritais e Vereadores em sistema de votação em dois turnos; combate rigoroso ao caixa dois; fidelidade partidária; instituição de fórum a ser composto pela sociedade civil, com o fito de exercer o controle social efetivo das eleições; ampla liberdade de expressão para apresentação do programa partidário nos meios de comunicação, inclusive com defesa e críticas a possíveis candidaturas, desde que veiculada de forma gratuita; financiamento dos partidos políticos e de campanhas eleitorais oriundo exclusivamente do fundo democrático de campanha e de pessoas físicas com previsão de limite de doação, sendo terminantemente proibido o financiamento por pessoas jurídicas.
Essas lúcidas propostas endossadas em um projeto de iniciativa popular devem provocar debate no âmbito do Congresso Nacional. Será um avanço imensurável da democracia e um salto de qualidade da prática política pautada em condutas mais republicanas.
Os temas são polêmicos e sofrem poderosas resistências. Somente a participação ativa da sociedade propiciará condições para descortinar um cenário favorável à aprovação da reforma política necessária para o Brasil.