Desilusão

Bem que o tema desta semana poderia ser a música “a dança da desilusão” do genial Paulinho da Viola. Não a desilusão de quem ficou viúvo, se apaixonou sem ser correspondido ou morreu em vida por causa de seu amor. Mas aquela desilusão de quem ficou na rua da solidão em plena multidão, dançando sozinho no meio da festa, “resignado e mudo”. É a desilusão contraditória de quem acredita na beleza da festa, porém desencantado com os cantantes que se espalham pelos palcos instalados nos mais diversos salões.

 

E não poderia ser diferente este sentimento tão contraditório. Como não se sentir isolado diante da nova escalada de terror que se espalha pelo mundo? Como permanecer intacta a esperança de um mundo sem violência se uma nova guerra de invasão acaba de ser imposta por Israel, apoiada pelo General Bush? Como acreditar no convívio harmônico nas ruas paulistanas, quando se sabe que o crime organizado se tornou o responsável por sua segurança? Como não ficar desiludido com a omissão cômoda da ONU ou a insensibilidade das autoridades paulistas, mais preocupados com as questões eleitorais do que com as vidas dos cidadãos.

 

O grave é que a disputa eleitoral que se avizinha, com a sua prometida festa democrática, sequer tem animado os brasileiros. É que, neste caso, não basta soltar rojões, cantar promessas de um mundo novo ou dançar no ritmo alegre das charangas para empolgar a multidão. Para afastar do clima de desilusão o trabalho de convencimento será mais árduo do que se pensa, mesmo porque ela é uma adversária que não se deixar abater facilmente. Tampouco será fácil minar suas resistências, fazendo com que fique adoentada.  Aliás, cair doente somente aumentaria a dor da paciente, pois descobriria que as ambulâncias foram contaminadas pelos sanguessugas de plantão.

 

Ademais, no carnaval da política brasileira não faltam outros foliões interessados em conquistar a sua companhia. De um lado, estão em cena o “bloco dos governistas” com suas fantasiosas explicações sobre a composição do caixa dois nas campanhas eleitorais, assim como a turma dos empréstimos veleriodutianos, pouco lembrando aqueles músicos outrora afinados. No outro bloco, os atuais “oposicionistas”, velhos freqüentadores do mesmo botequim de Marcos Valério, ficam a batucar o desarrumado samba da moralidade pública, esquecidos dos versos roubados quando venderam as estatais e outras coisas mais, sem esquecer aquele grupo oriundo e cria do tempo da censura e da ditadura militar. Não se pode mesmo negar que são incontáveis os cantadores querendo manter alegre e viva a desilusão, pouco importando o preço da conquista, a qualidade da canção e o efeito causado no coração desiludido.

 

Mas se ilude aquele que aposta na desilusão alheia com forma de ascensão política, econômica e social. É que a desilusão tem pernas curtas, não resiste à longa maratona da vida. Logo é transformada em reação. Os protestos contra a Guerra de Israel e outros penduricalhos fundamentalistas começam a brotar em vários cantos e recantos do planeta. Os movimentos em defesa da ética na política continuam sendo criados, evitando que bandas de democratas sejam transformadas em bandos de arrogantes corruptos. Os paulistas não deixaram parar São Paulo, ainda que paralisada a ineficiente máquina estatal.

 

As urnas, instrumento de reação por excelência, também prometem reanimar a cidadania, impedindo que o desânimo vença. Certamente elas exigirão que as vozes responsáveis pelo combate à violência urbana cantem de forma harmoniosa, todas elas reguladas pelo respeito ao cidadão, punindo aqueles que governam executando musicais eleitoreiros.  Da mesma forma afastarão da vida política aqueles que estimulam o livre dançar da desilusão, tão-somente regendo o soberano poder do voto. As eleições servirão como doce antídoto contra o amargo veneno da desilusão.

 

E através das urnas a desilusão, hoje um quase-hino nacional, se restringirá a uma triste lembrança do passado. Não deixará saudades. Ficará apenas como alerta de que um dia foi chamada “majestade”. O reino que nunca voltará.  .Afinal, como bem concluiu Paulinho da Viola, “meu pai sempre me dizia, meu filho tome cuidado, quando eu penso no futuro, não esqueço o meu passado”.

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