Dignidade restabelecida

O advogado tem papel relevante na constante busca da humanidade por um mundo mais justo, igual e fraterno. É dele a árdua tarefa de representar este cobiçado querer, mesmo porque a luta pela aplicação da Justiça se confunde com a própria resistência àqueles que fazem do autoritarismo o respirar, da ganância o caminhar e do poder uma obsessão. Sabe o advogado, assim, que a justiça, a igualdade e a fraternidade não combinam com autoritarismo, ganância e obsessão.

É do advogado a tarefa de levar, destemidamente, a liberdade para aqueles que estão esquecidos nos porões das prisões ou abandonados no concentrado campo da insensibilidade da social.  É o advogado quem escuta a súplica daquele que teve o seu bem confiscado, o corpo violentado, o direito suprimido, a honra violada ou a esperança roubada. É o advogado quem faz do habeas corpus, do mandado de segurança, das ações judiciais, dos pedidos indenizatórios, das medidas cautelares, das ações populares e das defesas criminais, dentre milhares de outras, instrumentos para que estas súplicas sejam atendidas ainda no paraíso terreno. .  

Não sem razão a História está a demonstrar que os autoritários têm nos advogados inimigos ferozes, independentemente da ideologia em que são filiados. Quando assumem, cuidam logo de restringir o acesso ao Poder Judiciário, dificultar os mecanismos legais de defesa, perseguir advogados, nomear magistrados mais afáveis e outras espécies de interferências. O mesmo ódio é compartilhado pelos gananciosos, invejosos e obcecados de plantão, mesmo quando não externam publicamente a anomalia. Quando falam, entretanto, procuram destruir a imagem da advocacia, acusando-a de desonesta, incompetente e exageradamente corporativa. Com efeito, a advocacia tem inimigos poderosos no seu diário trabalhar.

Eis porque a decisão do Conselho da Justiça Federal (CJF), quando da sessão realizada no dia 28 de setembro, em que se analisou o alcance da sua Resolução n° 438, foi entendida como um verdadeiro restabelecimento da dignidade da advocacia. Na oportunidade, como Secretário-Geral da OAB, ressaltei a insatisfação da advocacia, que não aceitava o equívoco interpretativo que impingia a pecha da desonestidade aos advogados brasileiros, que não poderiam receber, em nome dos seus clientes, os valores resultantes das condenações judiciais, ainda que expressamente autorizados através de instrumento procuratório.  Agora foi devidamente esclarecido que o recebimento de alvará ou quantias resultantes das condenações judiciais é ato processual próprio da atividade advocatícia, nos termos impostos pelo artigo 38 do Código de Processo Civil.

Não poderia esta limitação permanecer, como bem reconheceu o próprio Conselho da Justiça Federal. Esta ou qualquer outra limitação ao livre exercício de uma profissão que é essencial ao Estado Democrático de Direito e indispensável à administração da Justiça. A Democracia necessita de uma advocacia que saiba de sua relevante responsabilidade social, assim como de advogados que não se acovardem e fujam da luta quando chamados a cumprir este dever fundamental. A Justiça, para ser efetivamente aplicada, não pode permitir que amarras impeçam o livre agir do advogado, negando a sua própria razão de ser. Estado Democrático de Direto, Justiça e Advocacia são palavras que se complementam.

É evidente que a decisão Conselho da Justiça Federal não encerra a diária peleja da advocacia, mesmo porque a luta em defesa da cidadania não se resume ao levantamento de alvarás ou valores financeiros.  A recentíssima e absurda decisão do Conselho Nacional do Ministério Público, que pretendeu controlar a atuação da OAB, é um bom exemplo deste combate interminável. Limitar a ação organizada da advocacia, principalmente através do Estado (Ministério Público), é uma clara demonstração de que os métodos daqueles que se recusam a compreender a missão histórica da OAB e dos advogados brasileiros estão se aperfeiçoando. 

Mas a despeito de tudo e todos, a advocacia segue avante, recusando-se a ficar muda, dormente e cega para a triste realidade em que vive o Brasil.  Não poderia mesmo, até porque a defesa do bom direito, matéria-prima da advocacia, não aceita a concentração de renda, os desvios das verbas públicas, o trabalho escravo, a desigualdade, a insensibilidade política e o desrespeito aos direitos humanos ainda carece e tem fome de Justiça. A advocacia continuará cumprindo a sua missão, jamais esquecendo da sua responsabilidade social. Não recusará o mandato que a faz defensora da balança, do direito e da Justiça. Com a sua dignidade restabelecida, ganha um novo fôlego para continuar honrando a cidadania que a fez, constitucionalmente, essencial à administração da Justiça. 

 

 

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