A favor da vida

Setembro é um mês dedicado a muitas datas relacionadas às crianças, a exemplo do dia 17, Dia de Valorização do Cartão de Vacinação, 22 é Dia Internacional da Juventude e também Dia Internacional contra a Exploração Sexual e o Tráfico de Mulheres e Crianças, e 26 é o Dia Estadual da Primeira Infância. Vale destacar que há também o dia 27, data que celebra Cosme e Damião e os Ibejis, da tradição religiosa afro-brasileira.

 

Com um mês tão cheio de atividades e reflexões voltadas às crianças e adolescentes, culminando nas eleições para compor o Conselho Tutelar, que neste ano acontecerá amanhã, dia 01 de outubro, um processo importantíssimo para escolher as pessoas responsáveis por atender, amparar e proteger esse público, o que mais chamou a atenção da imprensa foi a discussão moral sobre quem apoia ou não a descriminalização do aborto.

 

Diversas opiniões com cunho religioso, moral, dotadas, inclusive, da propagação de informações falsas, com a forja de dados inexistentes e argumentos criados pelas vozes da cabeça, o que leva a discussão de uma questão séria e de saúde pública para o abismo da ignorância do cidadão de bem que é a favor da vida, mas não dos métodos contraceptivos, é a favor da vida, mas detesta o Bolsa família, é a favor da vida, mas bandido bom é bandido morto. Uma linha de raciocínio que nem quem propaga, entende.

 

Quando pensamos na descriminalização do aborto e quando afirmo que é uma questão de saúde pública é porque precisamos sair do achismo de pensar que ao institucionalizar determinadas leis que protegem o corpo, que protegem a saúde da mulher, isso vai se tornar um hábito. “Se legalizar, todas as pessoas agora vão querer abortar”, bradam os ignorantes, destaco aqui que ignorante é aquele ou aquela que ignora a realidade. Isso é algo que as pessoas estão tratando de maneira superficial, rasa e inconsequente.

 

Precisamos ter cuidado quando emitimos as nossas opiniões em redes sociais. Precisamos ter cuidado com a maneira como a gente influencia. Ter cuidado para não cair em fake news, para não cair em processos de desinformação e piorar ainda mais situações que já são graves e delicadas. Quando a gente fala em relação ao aborto, e aqui eu estou falando como uma profissional de jornalismo e como uma pesquisadora na área de gênero, dentre tantas entrevistas que eu já fiz, de tantas mulheres e adolescentes que eu ouvi e que optaram por fazer o aborto, algumas delas correndo sérios riscos, nenhuma dessas mulheres achou divertido, todas elas sofreram, nenhuma delas comemorou ou colocou nos seus perfis de redes sociais ou incentivou outras mulheres a abortar.

 

Esse é um assunto muito delicado, e aí eu pergunto, de quem a sociedade está cobrando? Quem deveria ser realmente cobrado para que os casos de aborto fossem drasticamente reduzidos no país? Os homens. E por que eles não são cobrados?  Por que os homens não estão sendo cobrados em relação às suas condutas quando cometem abusos, estupros, quando se recusam a fazer vasectomia, a usar preservativo? Por que é tão difícil a sociedade admitir e punir quem tem grande responsabilidade sobre isso? E aí, para além de uma educação que acabe com o machismo, que faz com que o homem tenha a certeza não somente da impunidade, mas de que ele é dono do corpo da mulher e de que ele pode fazer com o corpo da mulher o que ele quiser, inclusive sexo sem consentimento, é necessário questionar e cobrar mudanças neste sentido, em vez de culpabilizar, mais uma vez, as vítimas.

 

Onde estão essas pessoas defensoras da moral quando crianças estão na rua necessitando de ajuda? O que essas pessoas estão fazendo por elas? O que essas pessoas sabem sobre a primeira infância? O que esses grandes empresários e grandes empresárias que defendem tanto a vida fazem com as suas funcionárias que têm filhos? Quais são os planos das empresas para acolher as mães? Se vocês ainda não sabem, mas eu vou contar, no Brasil somente 16% das empresas têm algum tipo de plano para auxiliar as mães no cotidiano laboral. Ah, isso é uma obrigação? Sim, é uma obrigação, ou deveria ser.

 

Precisamos entender que a natalidade é algo extremamente importante para o desenvolvimento do país e a primeira infância é uma fase crucial para isso. Mas, as pessoas só estão se importando com uma questão de saúde da mulher por questões meramente morais ou religiosas, esquecendo de pensar para além de suas caixas. Estão vendo como esse caso é tão complexo? Como falar da descriminalização do aborto é algo que engloba várias questões que estão interligadas e que as pessoas simplesmente só querem discutir no âmbito da superficialidade? Bom, mais uma vez, estou aqui à disposição na minha coluna, na vida, em qualquer lugar, para que a gente possa fazer esse debate com seriedade, com qualidade, sem intolerância e principalmente, sem ignorância. O corpo da mulher tem que ser livre, afinal, meu corpo, minhas regras.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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