Dura lex, Lula lex

O establishment brasileiro inventou uma nova expressão em latim, que quer dizer: a lei é dura, desde que seja para punir o Lula. Quase todos os corruptos e condenados estão livres para renovarem seus mandatos eleitorais, contando os 50 deputados federais alvos de inquérito e ações penais na Operação Lava Jato até o decadente mineiro Aécio Neves. Mas o teimoso Lula, condenado por ganhar um apartamento que nunca foi dele, continua proibido de disputar eleição. Afinal, há um grande risco de ele se eleger presidente.

Alguns vão dizer que os parlamentares gozam de foro privilegiado, mas o foro por prerrogativa de função da forma como funciona é uma mentira, uma excrescência criada para proteger bandido, e não somente para garantir a liberdade de expressão parlamentar.

Em julgamento que terminou no começo da madrugada de sábado, o Tribunal Superior Eleitoral manteve Lula fora da corrida ao Palácio do Planalto. O ex-presidente condenado em segunda instância foi derrotado por seis votos a um. Surpreendente, o ministro do STF Edson Fachin foi o único a acatar a recomendação do Comitê de Direitos Humanos da ONU que garante a Lula o direito de se candidatar, mesmo estando preso.

O Partido dos Trabalhadores, em nota, lembra que “o Brasil tem obrigação de cumprir, porque assinou o Protocolo Facultativo do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos. E o Congresso Nacional aprovou o Decreto Legislativo 311 que reconhece a autoridade do Comitê”. Portanto, o “TSE não tem autoridade para negar o que diz um tratado internacional que o Brasil assinou soberanamente”.

A vice-presidente do Comitê de Direitos Humanos da ONU, a americana Sarah Cleveland, que é professora de direito da Universidade de Columbia, em Nova York, afirmou quando da aprovação da “medida urgente” que o efeito deveria ser imediato. “O comitê não é uma Corte. Então essa não é uma ordem judicial. Mas o Brasil é um signatário de tratados, e a posição do comitê é que o Brasil tem obrigação legal de cumprir”.

“Decisão obrigatória e de efeito imediato.” Foi o que disse o brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro, diplomata, um dos integrantes do corpo de especialistas e dirigentes da ONU, membro da Academia Brasileira de Letras e ex-ministro de Direitos Humanos do governo Fernando Henrique Cardoso.

Baseado também na própria Lei da Ficha Limpa, o PT vai recorrer ao Supremo. O partido alega que a Lei, no seu artigo 26-C, diz que a inelegibilidade pode ser suspensa quando houver recurso plausível a ser julgado, e Lula tem recursos tramitando no STJ e no STF contra a sentença considerada arbitrária.

E a Lei Eleitoral (artigo 16-A) prevê que um candidato sub judice pode “efetuar todos os atos relativos à campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão e ter seu nome mantido na urna eletrônica”.

“A Justiça Eleitoral reconheceu os direitos previstos nestas duas leis a dezenas de candidatos em eleições recentes. Em 2016, 145 candidatos a prefeito disputaram a eleição sub judice, com registro indeferido, e 98 foram eleitos e governam suas cidades. É só para Lula que a lei não vale?”, pergunta o PT.

Personalidades e instituições do mundo inteiro têm se manifestado contra a condenação de Lula e pelo direito dele se candidatar à eleição, como, aliás, deseja a maioria dos brasileiros. Todos o consideram preso político e uma vítima de lawfare – o uso indevido da lei para fins políticos.

A Fundação Internacional dos Direitos Humanos, com sede em Madri, concedeu o estatuto de prisioneiro de consciência em prisão arbitrária ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Importantes juristas internacionais denunciaram no começo do mês de agosto as irregularidades no julgamento de Lula. Eles enviaram uma carta à presidenta do Supremo, ministra Cármen Lúcia, na qual manifestam grande preocupação com a condução dos processos judiciais contra o ex-presidente. Entre os signatários do documento está o juiz Baltasar Garzón, advogado licenciado em Madri e mundialmente reconhecido por ter mandado prender o ditador do Chile Augusto Pinochet, em 1998.

Um texto assinado por grupo de intelectuais acadêmicos ingleses foi publicado pelo jornal The Guardian criticando os abusos do judiciário contra o ex-presidente. No texto, eles ressaltam que Lula é mantido em reclusão para que não participe como candidato nas próximas eleições.

Ex-dirigentes políticos europeus se manifestaram contra a prisão de Lula afirmando que “a luta legítima e necessária contra a corrupção não pode justificar uma operação que questiona os princípios da democracia e o direito dos povos de eleger os seus governantes”. Assinam a manifestação François Hollande, ex-presidente da França, Massimo D’Alema, ex-presidente do Conselho de ministros da Itália, Elio Di Rupo, ex-primeiro-ministro da Bélgica, Enrico Letta, ex-presidente do Conselho de ministros da Itália, Romano Prodi, ex-presidente do Conselho de ministros da Itália, e José Luis Zapatero, ex-presidente do Governo da Espanha.

O filósofo, político e ex-ministro da Educação da França e líder da oposição francesa Jean-Luc Mélenchon afirmou que a perseguição a Lula representa “uma negação da democracia”, e Niels Annen, parlamentar socialdemocrata alemão, disse que a sentença de Lula é baseada em calúnia.

Lula também recebeu a solidariedade de Martin Schulz, ex-presidente do SPD (Partido Social Democrata) da Alemanha e ex-presidente do Parlamento Europeu, do ex-presidente da Colômbia, Ernesto Samper, e da ex-presidente do Chile e agora alta-comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet.

Representante do Bloco Social Democrata no Parlamento Europeu, o eurodeputado italiano Roberto Gualtieri reforça o time de líderes internacionais em defesa da liberdade do ex-presidente.

O Podemos, partido que possui 16 senadores e 43 deputados nacionais no Parlamento da Espanha, divulgou um comunicado público no qual denuncia a perseguição judicial contra o ex-presidente.

O fundador do maior partido italiano, o Movimento 5 Estrelas (M5S), Beppe Grillo, afirmou que Lula é alvo de “perseguição” e denunciou um “golpe de Estado” no Brasil. O Partido Democrático Italiano (PDI), de centro-esquerda, também havia se pronunciado em favor do petista mantido como preso político em Curitiba desde o dia 7 de abril.

Um grupo de 22 deputados portugueses assinaram uma carta aberta endereçada ao STF brasileiro para que atenda aos trâmites legais e realize a soltura imediata de Lula. O documento também deixa claro que o ex-presidente deve voltar ao pleno exercício dos seus direitos fundamentais para disputar as eleições presidenciais de outubro.

O senador Bernie Sanders, que foi pré-candidato à presidência dos Estados Unidos em 2016, e mais 29 congressistas estadunidenses, enviaram ao governo brasileiro uma carta em que denunciam a “intensificação do ataque à democracia e aos direitos humanos no Brasil” e destacam a prisão do ex-presidente Lula, em função do que afirma serem “acusações não comprovadas” em um julgamento “altamente questionável e politizado”, e também a morte da vereadora e ativista Marielle Franco, no Rio de Janeiro.

E Pepe Mujica, inquestionável ex-presidente do Uruguai, observou: “Tem um slogan por aí que diz Lula Livre mas, na verdade, sua cabeça nunca poderá ser presa. Podem prender seu corpo. Mas não seu coração, sua cabeça”.

O Papa Francisco mandou um livro com uma mensagem para Lula, que tem recebido o apoio incondicional de outro argentino famoso, o ativista dos direitos humanos Adolfo Pérez Esquivel, que lançou a candidatura do ex-presidente do Brasil ao mesmo prêmio Nobel da Paz do qual ele já é detentor.

O linguista, filósofo e ativista político norte-americano Noam Chomsky, reverenciado em âmbito acadêmico como “o pai da linguística moderna”, também está com Lula.

E o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos escreveu uma carta para Lula: “Que magia é a sua para ser hoje o que garante a democracia brasileira, o símbolo de esperança para milhões de brasileiros que gritam o seu nome por todo o país e em muitas cidades estrangeiras? Que magia é essa para com tanta coragem e no meio de tanto sofrimento pessoal dar essa extraordinária lição de dignidade e de humanidade?”

Até Maradona e Danny Gloverdefendem o ex-presidente. Bonno Vox afirmou: “Depois da morte de Nelson Mandela, só existe no mundo uma pessoa capaz de juntar ricos e pobres, pretos e brancos, gordos e magros. E essa pessoa se chama Luiz Inácio Lula da Silva”.

Da mesma forma, sem precisar citar os inúmeros artistas, religiosos e intelectuais locais, outras tantas personalidades, políticos, partidos e instituições de vários países têm se manifestado a favor de Lula.

Sindicatos, confederações de trabalhadores, a exemplo dos Sindicato da indústria automotiva dos Estados Unidos (UAW), a Confederação Sindical Internacional (CSI), a Federação Americana do Trabalho e Congresso de Organizações Industriais, conhecida por sua sigla AFL-CIO e considerada a maior central operária dos Estados Unidos e Canadá, o sindicato britânico Unite the Union, o sindicato alemão IG Metall Wolfsburg e a Irmandade Internacional dos Caminhoneiros dos Estados Unidos e do Canadá — International Brotherhood of Teamsters, o sindicato dos siderúrgicos dos EUA e Canadá — United Steelworkers, dentre outros, defendem a liberdade de Lula.

Será que toda essa gente está errada?

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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