Eleições com Humor

A Lei n° 9.504/97, que estabelece normas para as eleições, prevê regras sobre a propaganda eleitoral no rádio e na televisão. Dentre essas regras, a disciplina da propaganda eleitoral gratuita assegurada constitucionalmente aos partidos políticos (Art. 17, § 3°).

 

Todavia, a controvérsia que agora se suscita, na campanha eleitoral de 2010, gira em torno da disciplina legal sobre as proibições dirigidas à programação normal e noticiário das emissoras de rádio e televisão, em especial aquela prevista no Art. 45, inciso II da Lei n° 9.504/97:

 

Art. 45. A partir de 1° de julho do ano da eleição, é vedado às emissoras de rádio e televisão, em sua programação normal e noticiário:

(…)

II – usar trucagem, montagem, ou outro recurso de áudio e vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação, ou produzir ou veicular programa com esse efeito;

(…)

§ 4o  Entende-se por trucagem todo e qualquer efeito realizado em áudio ou vídeo que degradar ou ridicularizar candidato, partido político ou coligação, ou que desvirtuar a realidade e beneficiar ou prejudicar qualquer candidato, partido político ou coligação. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 5o  Entende-se por montagem toda e qualquer junção de registros de áudio ou vídeo que degradar ou ridicularizar candidato, partido político ou coligação, ou que desvirtuar a realidade e beneficiar ou prejudicar qualquer candidato, partido político ou coligação. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009) (grifou-se).

 

Pois bem, na semana passada, mais especificamente na data de 24/08/2010, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT) propôs ação direta de inconstitucionalidade (ADI 4451), na qual pede que o STF declare a inconstitucionalidade do dispositivo legal acima mencionado. A ABERT fundamentou o seu pedido com a alegação de que a norma do inciso II do Art. 45 da Lei n° 9.504/97 “inviabiliza a veiculação de sátiras, charges e programas humorísticos envolvendo questões ou personagens políticos, durante o período eleitoral”, e que essa inviabilização viola as garantias constitucionais da liberdade de manifestação do pensamento e da liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, tão essenciais à democracia quanto o próprio sufrágio.

 

Sustenta a ABERT que

 

“A leitura do inciso II conduz à conclusão de que os meios de comunicação estão impedidos, por exemplo, de produzir ou veicular charges, sátiras e programas

humorísticos que envolvam candidatos, partidos ou coligações. Trata-se, como soa

evidente, de medida absolutamente incompatível com a Constituição e o sistema

constitucional da liberdade de expressão, porque manifestamente desproporcional e

excessiva”.

 

Por último, a ABERT ainda pediu ao STF a concessão de medida liminar, para afastamento imediato da eficácia do dispositivo legal impugnado. Isso porque, tendo em vista que a proibição legal incide a partir de 01 de julho, e que já há notícias de que essa proibição está a afetar a liberdade de expressão e de comunicação (cita que o Grupo Humorístico “Casseta&Planeta” não fará sátira com políticos, diante do risco de sanções e que, de igual modo, a cobertura política realizada pelo programa “CQC” já foi substancialmente reduzida).

 

A ADI 4451 foi distribuída à Relatoria do Ministro Carlos Ayres Britto que, na data de 26/08/2010, decidiu monocraticamente, acatando parcialmente o pleito da ABERT para suspender a eficácia jurídica do inciso II do Art. 45 da Lei n° 9.504/97.

 

Disse o Ministro Carlos Britto, em sua decisão:

 

“(…) programas humorísticos, charges e modo caricatural de pôr em circulação ideias, opiniões, frases e quadros espirituosos compõem as atividades de “imprensa”, sinônimo perfeito de “informação jornalística” (§1º do art. 220). Nessa medida, gozam da plenitude de liberdade que a ela, imprensa, é assegurada pela Constituição até por forma literal (já o vimos). Dando-se que o exercício concreto dessa liberdade em plenitude assegura ao jornalista o direito de expender críticas a qualquer pessoa, ainda que em tom áspero, contundente, sarcástico, irônico ou irreverente, especialmente contra as autoridades e aparelhos de Estado. Respondendo, penal e civilmente, pelos abusos que cometer, e sujeitando-se ao direito de resposta a que se refere a Constituição em seu art. 5º, inciso V. Equivale a dizer: a crítica jornalística em geral, pela sua relação de inerência com o interesse público, não é aprioristicamente suscetível de censura. É que o próprio das atividades de imprensa é operar como formadora de opinião pública, lócus do pensamento crítico e necessário contraponto à versão oficial da coisas, conforme decisão majoritária deste Supremo Tribunal Federal na ADPF 130. Decisão a que se pode agregar a ideia, penso, de que a locução “humor jornalístico” é composta de duas palavras que enlaçam pensamento crítico e criação artística”.

 

Pois bem, o Ministro Carlos Britto, acatando parcialmente a postulação da ABERT, fundamentou a sua decisão no entendimento segundo o qual a liberdade de informação jornalística e de comunicação (contexto no qual se inserem, a seu juízo, programas humorísticos, charges e sátiras) não se sujeita a prévia censura de quem quer que seja, muito menos do Estado. Pontuou ainda o Ministro Carlos Ayres Britto que – tal como ocorre com outras manifestações da liberdade de comunicação – eventuais abusos na veiculação de programas humorísticos pelas emissoras de rádio e televisão durante o período eleitoral também estão passíveis de responsabilização cível e criminal, assim como de direito de resposta, mecanismos reativos aos eventuais abusos, porém sempre mecanismos posteriores e não apriorísticos.

 

Essa decisão monocrática do Ministro Carlos Britto será submetida à apreciação do Plenário do STF na tarde de hoje (quarta-feira, 01/09/2010), oportunidade em que poderá ser ratificada ou desconfirmada.

 

Todavia, vejo a controvérsia com um olhar um pouco diferenciado. E diferenciado a partir da própria interpretação conferida ao dispositivo do inciso II do Art. 45 da Lei n° 9.504/97 pela ABERT.

 

Não me parece que esse dispositivo esteja a proibir que as emissoras de rádio e televisão veiculem programas humorísticos envolvendo candidatos, partidos ou coligações a partir de 01 de julho. Não enxergo naquele dispositivo essa proibição. O que ali se proíbe – e aí, sim, expressamente – é o uso, por essas emissoras, de trucagens, montagens ou outros recursos que degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação. Parece-me que fez muito bem a lei eleitoral ao proibir que tais emissoras – veículos por meio do qual a União presta serviço público, a saber, o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens (Art. 21, inciso XII, alínea “a”) – degradem ou ridicularizem candidatos, partidos ou coligações, porque degradar ou ridicularizar alguém é aviltar a sua própria dignidade enquanto pessoa, e a dignidade da pessoa humana é princípio fundamental da República. Não é demais lembrar que a Constituição Federal impõe, como princípio a reger a programação das emissoras de rádio e televisão, o respeito aos valores éticos e sociais da pessoa (Art. 220, inciso IV).

 

Também não me parece que humor ou sátira sejam efetuados mediante degradação ou ridicularização de pessoas. Ao contrário, o Brasil é repleto de artistas que sabem fazer humor inteligente, crítico e satírico, sem necessidade de degradar ou ridicularizar ninguém.

 

A proibição legal não se dirige ao humor, mas à degradação ou ridicularização. Os verdadeiros humoristas não deveriam temer sanções decorrentes da aplicação do inciso II do Art. 45 da lei eleitoral. E, acaso algum candidato, partido ou coligação se sentisse ridicularizado ou degradado em algum programa humorístico, teria a oportunidade de oferecer representação à Justiça Eleitoral que, diante do caso concreto, examinaria a existência – ou não – dessa degradação ou ridicularização, de modo a serem aplicadas as penalidades legais.

 

De qualquer modo, o STF deve melhor delinear, na tarde de hoje, a interpretação do inciso II do Art. 45 da Lei n° 9.504/97. Espero que essa melhor definição se dê na perspectiva de garantir a plena liberação do humor nas eleições (o humor inteligente, satírico, crítico, mas não ofensivo), com proibição de degradação ou ridicularização de candidatos, partidos ou coligações.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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