O alemão Goebels, conhecido marqueteiro do nazismo, gostava de dizer que a “mentira repetida se transforma em verdade”. Não ficou ele apenas na teoria, fez da Alemanha a própria cobaia de suas idéias, que passou a acreditar que os arianos eram puros e superiores a quaisquer outras raças. Nem mesmo o holocausto e o genocídio decorrentes de suas racistas teses o impediu de continuar propagando a mentira. Ao contrário, ele se sentia fortalecido diante dos milhões de judeus e comunistas que morriam nos famigerados campos de concentração. As radicais teorias nazistas, felizmente, não encontraram eco na sociedade brasileira, embora o preconceito de cor contamine, nem sempre disfarçadamente, parte considerável de seus membros. Sobre o preconceito racial praticado nas terras tupiniquins já fiz vários comentários nesta coluna, ressaltando que o Brasil precisa urgentemente reparar positivamente os danos causados aos negros durante o período em cometeu o crime contra a humanidade tipificado como escravidão. Entretanto, advirto que este não é o ponto central deste artigo, mesmo porque o preconceito racional é hoje considerado um crime inafiançável, não se encontrando defensores públicos de sua prática. Quero aqui discutir uma outra mentira que se repete publicamente no Brasil, e que, de tão comentada inconscientemente, parece já ter conquistado o status de verdade absoluta. Acredito que durante o carnaval ela somente perdeu, em termos de repetição automática, para a frase “poeira, levantou poeira” da música de Ivete Sangalo, o “Mainbê Dandá” de Daniela Mercury ou o “Toté de Maingá” de Margareth Menezes. Aliás, é exatamente no mês de março que ela se torna mais forte, mesmo porque tem por este específico mês do calendário um carinho muito especial. Falo da mentira-repetida expressada na seguinte frase: “o Brasil somente começa a trabalhar depois do dia primeiro de março, ainda assim se for um dia útil”. Detalhando de uma outra forma: os brasileiros são folgados e festeiros por natureza e convicção, portanto, preguiçosos incorrigíveis. Tal característica, segundo se afirma, decorre das impuras raças que insistem em pulsar nas suas veias, até porque os índios e os negros eram famosos exatamente porque não gostavam de trabalhar voluntariamente. Mais ainda, a parte azul e nobre do nosso sangue tem a coloração anêmica dos nascidos em Portugal, que, como gostam de acrescentar irreverentemente, “não parte faz parte do rico e trabalhador solo europeu”. Em assim sendo verdadeiro, devemos nos contentar em morar em um país com eterna vocação terceiro-mundista e, o que é pior, sem qualquer perspectiva de ascensão social, política ou econômica. Devemos aceitar que o nosso destino é ser um país subdesenvolvido, afinal não temos culpa dessa fatídica herança genética, mesmo porque os europeus e seus diletos filhos estadunidenses nasceram com o sagrado direito de serem ricos. Também é justo que paguemos integralmente, através da política sacrificante denominada de superávit primário, as dívidas que nos cobram, mesmo porque são eles os únicos que trabalham na terra, eternos credores do Brasil que colonizaram. E se todos têm razão, o dinheiro que gastaram na convocação extraordinária do Congresso Nacional foi mais do que injusto, pois é mesmo crime parlamentar trabalhar durante o recesso de janeiro. Os jornalistas da Revista Época deveriam ser execrados publicamente, afinal cometeram a heresia de denunciar o Caso Waldobicho Diniz no inexistente mês de fevereiro. Devemos, também, desconsiderar o hercúleo esforço do Secretário da Justiça, Emanuel Cacho, para justificar a contratação de uma mais obra estadual sem a necessária licitação pública. Como não se trabalhou oficialmente neste período, os gastos públicos desnecessários, ilícitos ou irregulares não passaram, respectivamente, de ficção científica, invenção de algum jornalista desvairado ou mais uma desculpa política. Não adianta afirmar, defensivamente, que aqui os trabalhadores recebem os menores salários do planeta, mesmo com uma das maiores jornadas de trabalho do mundo, se a fama de preguiçoso convence a nós próprios. Também não é necessário explicar que os dados estatísticos apontam que os empregados brasileiros transformam em abono ou em bico as suas cobiçadas férias, se estamos convencidos de que somos incorrigíveis festeiros. Da mesma forma, não adianta saber que os nossos empresários, para sobreviver, pagam as maiores taxas de juros do planeta, se tudo isso não serve para apagar a nossa compreensão de que somos folgados. E enquanto acreditamos na mentira que criaram para nós, vitoriosos estarão aqueles que nos exploram e sugam as nossas esperanças, brasileiros ou não. * Cezar Britto é advogado, conselheiro Federal da OAB e presidente da Sociedade Semear. cezarbritto@infonet.com.br