Ensaio sobre a mania

Peguei um táxi esses dias e não tive como não notar um buraco no couro cabeludo do motorista. Sentado, observando-o, comecei e perceber se tratar de um caso de tricotilomania – mania de arrancar fios de cabelo. A primeira impressão preconceituosa que um desavisado pode ter é de achar que o “cara é louco”, mas não é bem assim. Perdemos muito por sermos imediatistas (sei muito bem disso), e enquanto ele dirigia, eu ia quieto traçando este ensaio, que não esperava nascer dentro de um carro.

Cutícula, olhos, sêmem, coração, secreções, dentes, ouvido, dedos… mas as manias que temos são o que nos compõe também, como criaturas em seus desejos e loucuras. “Cada doido com sua mania”, esta máxima popular é verdadeira, pois se trata de algo inerente ao que somos conscientemente e assim nos coloca, todos, dentro de um mesmo núcleo (louco). Independente de estimulada ou não, a mania nasce sempre de um grau pequeno e se alarga quando damos espaço para tal. Como tudo na vida.

A palavra ‘Mania’ é originária do grego e possui raízes na psiquiatria, que a utiliza em seus estudos sobre o distúrbio mental. Na prática, é como se uma semente fosse plantada a partir de algo que de tão natural ultrapassa as barreiras do dito “normal”, popularizando-se uma estranheza.

Quantas vezes não percebemos em nós alguns hábitos corriqueiros, mas tão rotineiros que parece não conseguirmos mais sobreviver sem eles? É difícil mudar um comportamento ruim e repetitivo. Convivemos com nossas manias (patológicas ou não), colocando-as em nossas ações, por não sabermos sobre elas ou por que não queremos trabalhá-las de forma consciente? Não sei ao certo essa resposta. Naquele momento, sentando em direção ao trabalho, me pareceu que o motorista estava fazendo algo muito prazeroso e sempre me questiono se o que nos dar prazer precisa ser passível de críticas ou defasagem.

Mania de comer chocolate (quase todo mundo tem); mania de se apaixonar pela pessoa errada (a maioria das mulheres tem); mania de perseguição (só os ricos-pobres têm); mania de reclamar (insatisfeitos ou cansados de viver); mania de tudo demais (…); mania de comprar (falta de amor próprio ou necessidade urgente); mania de se menosprezar (cafonice); mania de se enfeitar (chamar a atenção?); mania de criticar o tempo todo (falta de coragem para fazer); mania de amar (sensibilidade ou carência); mania de transar (tesão, sei lá)… e por aqui vai…

Ao chegar ao tricotilomania, percebi que acho engraçada essa mania de querer se criar um nome para cada mania. Como se cada passo que damos precisasse de um mapa. Sabemos que durante nossas vidas, mais da metade dos nossos passos são dados em direções erradas. É assim que tem que ser, pois aprendemos que os “erros ensinam mais”. A mania do taxista me deixou nervoso por um tempo, confesso! Tive vontade de falar para ele que àquilo tinha uma explicação e um nome estabelecido, por pouco não me contive. Mas como estou tentando melhorar a mania que tenho de falar sempre com quem não tenho muita intimidade, fiquei na minha.

Lembrei, na hora, de uma amiga que passou por esse mesmo problema há alguns anos. Só que na época, sem conhecimento da causa, eu até rir da coisa toda, porque não compreendia que ali (arrancar os fios), existia uma resposta para o momento que ela estava passando. Ninguém saí arrancando cabelo por aí, por é legal, claro! Dói, porque cada fio está ligado ao nosso corpo em seu complexo sistema. No dia em que percebi que o que afligia minha amiga tinha ultrapassado a barreira dos problemas-motivos e se transformado em mais um agente de desespero dela, silenciei sobre esse assunto.

Somos constantemente colocados em prova por mantermos nossas manias. Mas só calamos perante um caso assim quando entendemos que cada pessoa tem direito ao seu mundo particular. As suas próprias desculpas. Dores. A mania, por mais simples que seja se caracteriza numa dor, em minha opinião. Mas também cria uma identidade. E pertence apenas ao seu dono. Não deve ser apontada, mostrada publicamente.

Enquanto o motorista arrancava cabelos de outra parte da cabeça, até porque o buraco que existia parecia que nunca mais brotaria algum fio, eu comecei a listar algumas das manias que tenho e me surpreendi com o resultado final:

De Conferir se a geladeira está fechada (cansei de levantar da cama duas ou três vezes, numa mesma noite);

De repetir os mesmos erros (emocionalmente falando);

De perdoar;

De querer discutir assuntos que não me dizem mais respeito;

De não gostar de despedidas;

De vestir preto sempre;

De abraçar;

De querer filosofar com pessoas que não gostam de pensar;

De assistir TV e ficar com torcicolo;

De ligar para pessoas (às vezes, estranhas) e dizer que as amo;

De ter ciúmes infundados;

De lavar as mãos compulsivamente quando estou preparando algo para comer;

De gostar do branco, branco;

De não falar pela manhã;

De ouvir meus MP3;

De fazer download de séries;

De repensar terríveis enganos e chorar com isso;

De não querer dar satisfação e naturalmente me comportar ao contrário;

De não gostar de cerimônia de casamento, apesar de achar muito bonito (às vezes vou);

De cobrar o que sei que não vão me pagar;

De pensar que explicando meus sentimentos, conseguirei facilmente me mostrar (ledo engano)…

Talvez eu nunca venha a sofrer de tricotilomania, porque não gosto de dores físicas, mas a tricotilomania alheia me resgatou de um mundo que eu vivo e não sabia muito bem sobre ele. Talvez este ensaio traga você também ao seu mundo!

…eu e essa minha mania de achar que a Literatura pode ser vista como algo superior ao existir em si…!

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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