Entre les Murs.

O tema aluno-professor tem sido recorrente no cinema. Muitos são os enredos tratando da relação entre o mestre e o educando. Uma relação sempre pautada na rebeldia do jovem diante do mundo e seus conceitos ditados pelo passado, pela tradição e até pelo conformismo.

 

Nesta divergência de pensamento o jovem é sempre colocado avesso à aprendizagem formal, evidenciando sua insubmissão à regra enveredando pela indisciplina, um desafio ao mestre, sempre colocado como sábio humanista, verdadeiro sacerdote em dedicação, firmeza e carinho.

 

Em verdade tais filmes douram a pílula da relação docente-discente, minimizando as insatisfações, frustrações e tristezas, enfeixando um final feliz e portentoso, beirando às lágrimas e ao reconhecimento.

 

Os exemplos são muitos. Começaria com um filme antigo cujo nome perdi, mas cuja temática introduz um velho mestre odiado e ridicularizado perante seus alunos que o tratam com desprezo, menosprezando as suas aulas de grego e latim e a sua cultura humanista. Desnecessário dizer que a história por se só evidenciaria um desapreço contemporâneo de tais línguas mortas, sobretudo porque aqueles alunos já preferiam os desforços físicos às reflexões intelectuais. E um professor de grego e latim, como os de educação e de física são menos queridos que os de educação física, sobretudo se estes ensinam jogos e promovem campeonatos e disputas, com aplausos e torcidas.

 

Não é o caso do velho professor de latim, considerado um carrasco esclerosado cujo respeito no agir e no exigir é interpretado como um inacessível autoritarismo desprezível e execrável. No entanto o velho docente era apenas um homem simples norteado apenas por ambições culturais contidas por uma circunstância que o não compreendia, a começar no próprio lar, convivendo com uma esposa infiel que exterminava todos os seus sonhos e conquistas intelectuais.

 

Alguém já disse que num casamento marido e esposa se escolhem para mutuamente se acusarem das suas próprias frustrações para o resto das vidas. No caso deste velho professor, sua esposa o culpa de todas as mazelas criadas e imaginadas, degradando-o em reclamações sucessivas e aninhando-se nos braços de outro professor, mais jovem e bonito, treinador do time da escola. Mas o velho professor em sua carapaça invulnerável era um homem bom, terno, embora amargurado.

 

Animava-lhe a seriedade, a eficiência e a conduta reta nunca bem vista, nem querida. Ocorre que em regra os filmes possuem finais felizes e se exemplificam apoteoticamente. Um jovem aluno passa a admirar o velho mestre sobressaindo na tradução greco-latina. E aí se realiza o grande sonho de um docente; se um jovem aluno entre dezenas ou centenas na sala de aula com seu mestre aprendeu e se enriqueceu em cultura, e, sobretudo, se serviu de seu exemplo para a vida, eis a grande vitória que remunera permanentemente um professor.

 

Mas o filme não termina somente aí. A vitória é bem maior e mais ampla, como só a ficção o pode fazer.

 

O velho mestre resolve pedir aposentadoria atendendo um pedido da esposa que lhe amargura a vida sem o saber que seria uma mudança combinada entre ela e seu amante. E o desfecho é inesperado. A notícia da aposentadoria do mestre suscita no alunado uma tristeza imprevista. A escola já não seria a mesma sem os aforismos clássicos do velho combatente do saber, sem a sua crítica mordaz, mas construtiva, sem o seu cinzel modelador aparando as imperfeições da pedra bruta. E o que seria uma despedida vira uma apoteose, com o velho recebendo o aplauso maior de seus alunos e colegas, inclusive daquele que lhe tisnava o lar. O velho professor (seria Laurence Olivier?) resolve se separar da esposa que o infelicitava permanecendo na sua sala de aula, razão e vida, rejuvenescendo com os novos jovens com seus risos e sonhos.

 

Outro filme envolvendo professor e aluno que me impressionou bastante foi o “Conrak” que tem John Voight no papel principal como professor contratado para educar crianças negras, carentes e assustadas de tudo, em meio a uma ambiência segregacionista na ilha de Yamacraw, Carolina do Sul em março de 1969. Voight é o branco ex-racista Pat Conroy, que vai ser professor numa escola que tem como alunos crianças negras pobres. Todos vivem isolados na ilha e as crianças se comunicam com um idioma próprio, são analfabetas, não conseguem contar e nem sabem em qual país vivem. O mestre tenta melhorar o nível da educação jogando fora o livro de regras e lições pedagógicas, dando lições de higiene, cultura, compreensão da natureza das letras e das artes. É tocante o momento em que Conrak (é assim que as crianças chamam Conroy) coloca num pick-up um disco do primeiro movimento da Vª Sinfonia de Beethoven, dizendo que o compositor concebera com aqueles acordes a chegada da morte, enquanto tristeza necessária e despedida.

 

Mas o professor, ao despertar os jovens para a vida, feriu padrões, ultrapassou limites e desagradou a circundância. E assim é demitido e é chegado o momento de partir, tomando o barco de volta para o continente. É, sobremodo, tocante a partida de Conrak, com os seus alunos fazendo tocar o disco de Beethoven como um sinal de tristeza, como a uma morte inevitável, uma despedida ensejando que a vida enseja perdas e ganhos, com os alunos sabendo pensar de modo próprio em busca do seu próprio crescimento como seres livres e pensantes.

 

A temática do pensar e criar livremente está inserida também no belo “Sociedade dos poetas mortos” (Dead Poets Society, 1989), direção de Peter Weir, que tem Robin Williams como o Professor Keating lecionando literatura de forma inusual e ferindo regras e conceitos.

 

John Voight se despede dos alunos ao som de Beetoven

Seu mote é “Carpe diem”, que quer dizer aproveitem o dia. Novamente a fugacidade da vida é discutida no afã de buscar os ideais verdadeiros e os objetivos permanentes. Tudo o que faz o crescimento da pessoa enquanto ser. É uma crítica à escola tradicional e dogmática. Uma trama difícil em meio à diversidade comportamental, tradicionalismo, preconceitos de várias formas e aversão à modernidade e ao livre pensamento.

 

Do mesmo modo que Conrak, o Professor Keating é afastado. O establishment, como assim é conhecido o grupo de indivíduos com poder e influência em determinada organização ou campo de atividade, sempre descarta quem o desafia. Na despedida é sintomática a cena final com alguns alunos inconformados e resolutos subindo nas carteiras gritando os versos aprendidos e jamais esquecidos.

 

Mas, se o mestre sem o querer se faz exemplo de vida nos seus alunos, há outros que desejam modelar como oleiro o barro manipulado. É o caso de Miss Brodie, a professora solteirona de Primavera de uma Solteirona (The Prime of Miss Jean Brodie, 1968), direção de Ronald Neame, com Maggie Smith como a afirmativa professora que deseja formatar a cabeça de suas alunas, formando cidadãs e mulheres para o século vinte, conforme seus dogmas e equívocos. A trama acontece nos anos trinta, numa escola feminina de Edinburgo-Inglaterra, quando o mundo debate a modernidade e as utopias ideológicas. Miss Brodie é doutrinadora e se entende dona da verdade.

 

Uma vez aluna de Miss Brodie, afirma, eis sua aluna para sempre. E não é bem assim porque o jovem na mão do mestre não é argila moldável a se prender em formas imutáveis e permanentes. Papel do mestre é habilitá-lo no uso da régua e do compasso se fazendo exemplo a ser mirado ou esquecido, jamais imitado ou copiado. Porque toda cópia é medíocre e todo modelo contém as próprias imperfeições. Daí porque Miss Brodie falha e erra. E o filme mostra a resposta da lição em cada ouvido com misérias, alegrias e vinganças. Vinganças sim! Porque há alunos que odeiam seus mestres também; coisa da insatisfação humana.

 

Julia Roberts está mais bela em o “Sorriso de Mona Lisa”

Falaria ainda do terno “O sorriso de Mona Lisa” (Mona Lisa Smile, 2003) dirigido por Mike Newell, tendo a bela Julia Roberts como a professora Katharine Watson, recém-graduada destacada que vai lecionar História da Arte no conceituado colégio Wellesley, Igual a “Sociedade dos Poetas Mortos”.

 

Katharine entra em conflito com o conservadorismo da sociedade e do próprio colégio em que trabalha. É sintomática a reflexão em torno do sorriso da Mona Lisa de Leonardo da Vince.

 

 -Ela está feliz? – Pergunta para si mesma uma aluna que rejeita o papel emoldurado de dondoca, despertando para uma ação mais importante, enquanto mulher no mundo, enfrentando os desafios da vida.

 

Novamente o final se faz igual ao de Conrak e do Professor Keating, sem os graves de Beethoven, nem subindo nas carteiras escolares. Agora são as alunas acompanhando a partida de Katharine, montadas em suas bicicletas como a ginetes na cavalgada da vida.

 

Poderia falar de outros filmes como “Mr. Holland – Adorável Professor” (Mr. Holland”s Opus, 1995) com Richard Dreyfuss, como professor de piano, e Música do Coração (Music of the Heart, 1999) com a excelente Meryl Streep, como professora de violino, e uma infinidade de outras fitas como “Adeus Mr, Chips”, etc.

 

Não falarei do meloso “Ao mestre com carinho” (To Sir with Love, 1967), Direção de James Clavell, com Sidney Poitier como Professor Thackeray, conquistando os alunos brancos numa escola racista. O enredo é róseo em demasia com uma música-tema sobremodo bela e o professor namorando a aluna mais bonita. Poderia até falar como exemplo próprio, afinal eu também fora conquistado por minha aluna mais bonita. Mas isso é minha outra história de permanência.

 

Quero falar por fim do filme Entre les Murs, (Entre os muros da escola, 2008), dirigido pelo francês Laurent Cantet, estrelado por François Bégaudeau, e um grupo de alunos entre 13 e 15 anos composto por negros africanos, asiáticos latino-americanos e franceses. A história é a encenação de um livro do próprio Bégaudeau do livro homônimo “Entre os Muros” sobre uma escola pública francesa.

 

Diversidade cultural e étnica de uma escola em Paris- fFança

O filme é formidável, mas terrível. Quem o assiste contempla a difícil realidade docente; investir contra a ignorância, a incompreensão, a relutância em aprender, um desafio à criatividade do educador, tarefa excedente em decepções em meio a áridas alegrias.

 

O estranho é que a escola em questão não se encontra na nossa periferia desassistida e carente de tudo. Está situada num subúrbio de Paris, com acomodações confortáveis e os professores se exibem bem vestidos, evidenciando que não há traumas salariais nem reivindicações sindicais. No entanto é terrível desbastar tanto joio em busca da boa cepa, da vingança do bom fruto.

 

Como é duro incutir no alunado a necessidade de aprender, sobretudo numa sociedade em conflitos culturais e étnicos, como é a França atual, cheia de imigrantes da África negra e berbere, da Ásia, das Antilhas e da Oceania. Todos resistindo às mudanças de hábito, modos e crenças. Se opondo inclusive a aprender para bem falar e escrever o idioma de eleição enquanto domicilio; o francês, o idioma sonoro de Descartes, Balzac, Hugot, Michelet e Chateaubriand.

 

Dizer que nada disso vale, e é debalde um mestre ensinar o francês e a sua literatura na própria pátria?

 

Os muros da escola revelam sobremodo esta divisão e impenetrabilidade entre os dois lados; uma juventude crescida numa ambientação cultural conflitante e o docente sendo chamado a conduzir uma vertente dirigida em conformidade com a ética republicana e os anseios naturais de liberdade.

 

É difícil! Porque o filme, no contexto da classe e dos alunos, insinua o papel do professor como um rejeitado colonizador; alguém que irá impor novos hábitos, valores e comportamentos. O filme mostra tal divergência em excesso de paciência e compreensão

 

O filme é belo, revoltante e instigador. Ganhou a Palma de Ouro em Cannes – 2008 e foi indicado para o Oscar de melhor filme estrangeiro. Assisti-o domingo no telecine cult.

 

Quem assiste Entre les Murs, chega até a não compreender como há pessoas que se propõem a exercer uma tarefa docente. Vale a pena o programa.

 

Tratemos melhor os nossos professores.

 

Seguem alguns endereços no Youtube que ilustram este artigo e bem poderiam ser visitados.

         http://www.youtube.com/watch?v=1w9QYDmV3MU

http://www.youtube.com/watch?v=YM7kaF-4Fhs

http://www.youtube.com/watch?v=Nkhk3x-2Eu4

http://www.youtube.com/watch?v=wYPPnnEX29E

http://www.youtube.com/watch?v=Oqr7PLA90yk

http://www.youtube.com/watch?v=ksetfly1pZs

http://www.youtube.com/watch?v=9EAdkrVbzjU

http://www.youtube.com/watch?v=QuNz7Uk8nNA

http://www.youtube.com/watch?v=firvdL1u504

 

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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