Recebi vários e-mails e comentários de amigos, especialmente aqueles não-eleitores do PT, sobre o incendiário “Caso Waldomiro Diniz”. Para os que ainda não tomaram do alcance da questão, o até então ilustre Waldomiro Diniz era o subchefe de Assuntos Parlamentares da Presidência da República, vinculado funcionalmente ao poderoso Ministro José Dirceu. Fora o citado senhor flagrado com a mão na botija, ou seja, fora filmado em plena negociata com bicheiros, usando o favorecimento público, no conhecido estilo dos gangsteres, como moeda de troca para o financiamento ilícito de campanha eleitoral. É bem verdade que denúncia tem o triste sabor de escândalo requentado, pois o financiamento nebuloso de campanhas eleitorais, ainda mais com o dinheiro da contravenção penal, sempre povoou as páginas políticas/policiais do noticiário brasileiro. A novidade, neste novo caso, decorre exatamente do status político adquirido pelo principal personagem envolvido, vez que o senhor corruptor/corrompido trabalhava para o partido político especialista em denunciar e combater este mesmo tipo de corrupção. Seria este, portanto, o tempero especial do novo escândalo nacional. Era exatamente este o teor repetitivo de cada e-mail ou comentário recebido, a idéia de que o PT fora pego de calças curtas, pois encurtada estava a sua afamada coerência ética. Confesso que a primeira leitura que tive após ler as críticas enviadas era a de que cada comentarista, certamente com saudade de uma já distante infância, registrava ou desabafava que o Pinóquio finalmente corrompeu o Grilo Falante, com uma certa conivência de Gepeto. Depois, observando mais atentamente, percebi que o comum nos comentários era uma outra sensação, os velhos amigos não-petistas estavam a me dizer apenas que o PT era exatamente igual aos demais partidos, inclusive aqueles partidos que sempre votara. E, sem que ninguém perguntasse, gabavam-se vitoriosos por acreditarem que acertaram no diagnóstico político da corrupção comum a todos os partidos. A frase vitoriosa, quase sempre acompanhada da resposta voluntária do próprio autor, era mais ou menos assim: – Eu não disse? O PT é exatamente igual aos outros partidos, bastou a primeira oportunidade é já começaram a botar as mangas de fora. É tudo farinha do mesmo saco. Aliás, a tese por eles defendida fica bastante clara quando utilizada a própria discussão sobre a proposta de instalação de uma CPI para apurar as denúncias envolvendo o confesso Waldomiro Diniz. Os parlamentares da oposição, antes resistentes a qualquer tipo de investigação de corrupção sobre os atos praticados durante o Governo FHC, somente querem apurar as denúncias do novo governo. Já os parlamentares da situação, outrora defensores de toda CPI destinada a apurar atos governamentais que cheirassem a corrupção, agora rejeitam a nova CPI proposta, insinuando que a admitiria fosse para jogar na sarjeta todas as sujeiras eleitorais cometidas por todos os partidos políticos. Embora as premissas possam apontar que estão corretos os meus confidentes nas suas respectivas conclusões, ouso deles discordar. É que nunca acreditei, e continuo não acreditando, que um erro justifica outro erro. A possível corrupção de membros de um governo não pode jamais justificar a corrupção do outro governo, assim como não se pode absolver um no intuito de absolver os demais. Com o devido respeito a quem pensa de forma contrária, esta atitude não passa de uma caduca postura de quem se contenta com a igualdade por baixo, ou escrevendo de uma outra forma, de quem, masoquistamente, entende que o errado também pode o certo, desde que todos estejam igualmente errados. Nesta absurda teoria, em que um erro absolve o outro erro, estariam todos perdoados, deixando no ar o triste vaticínio de que o sentimento atávico de todo político seria o de roubar. O Brasil e o Governo Lula têm uma boa oportunidade para revogar todos estes velhos e viciados chavões. Independentemente do jogo de cena que seria a instalação de uma CPI neste exato e delicado momento, não podem deixar cair no esquecimento ou nas folias carnavalescas as graves denuncias que envolvem o Sr. Waldomiro Diniz. A Polícia Federal não pode deixar qualquer dúvida no que se refere aos envolvidos no escândalo, apontando todos os culpados, independentemente das filiações partidárias. Mas não é só, a ocasião é única para resolver definitivamente a razão principal da questão, a frouxidão da legislação brasileira no que se refere aos financiamentos de campanha, abuso e corrupção eleitoral. Se a questão é cortar o mal pela raiz, a Reforma Política se faz urgente e necessária, inclusive para tornar mais ágil a punição daqueles que viciam de alguma forma a liberdade do voto. Se os nossos parlamentares querem fazer alguma coisa para o Brasil, que transformem em propositiva a crise política atual, e esquecem de vez o masoquista “eu não disse?”. * Cezar Britto é advogado, conselheiro Federal da OAB e presidente da Sociedade Semear. cezarbritto@infonet.com.br