Fantasia, século XX e Medievo em O Senhor dos Anéis

Medievo em O Senhor dos Anéis
Andrey Augusto Ribeiro dos Santos                                                
Graduando em História – UFS
Bolsista PET História – UFS
Integrante do Vivarium – Laboratório de Estudos da Antiguidade e do Medievo (Núcleo Nordeste)

A Literatura sempre possuiu uma relação muito próxima com a História, sendo usada por esta como fonte ou utilizando fatos históricos como inspiração, chegando até a suscitar fortes discussões sobre os limites que separam as duas áreas e se esta separação realmente existe. Para os historiadores uma obra literária pode representar, através da ficção, experiências e opiniões de autores sobre o seu mundo, revelando aspectos menos visíveis sobre um período. Considerando isto, desde a chamada Literatura de viagens na Idade Média até obras modernas como Drácula e Frankenstein podem nos mostrar aspectos da sociedade a qual seus autores pertenciam. Levando isto em consideração é que pudemos trabalhar com O Senhor dos Anéis, do britânico J.R.R. Tolkien.

Esta narrativa fantástica, lançada entre 1954 e 1955, mostra a guerra das raças da Terra Média, um mundo fictício, contra a dominação de um ser poderoso e maligno: Sauron, o senhor do escuro. A principal esperança nesta batalha é a destruição de um anel mágico, o qual Sauron necessita para consolidar seu poder total. Para entendermos o que esta trama tem a dizer aos historiadores temos que recorrer primeiramente a vida do seu autor.

Tolkien nasceu no fim do século XIX, em 1892, e viveu grande parte do século seguinte, falecendo em 1973. Trabalhou como professor e filólogo na Universidade de Oxford durante quase toda a vida. Participou diretamente da Primeira Guerra Mundial, lutando em 1916 na Batalha de Somme, sendo retirado do conflito após contrair Tifo nas trincheiras. Quase vinte anos depois teve de ver mais uma vez seu país ser arrastado para outra guerra de dimensões mundiais, no qual seus filhos participaram como combatentes.

Vivendo neste contexto, presenciando todas as transformações sociais, culturais e políticas advindas neste período, Tolkien acabou desenvolvendo uma aversão a tecnologia, que representava para ele todas estas mudanças, das quais era extremamente crítico. Este sentimento ficava bem aparente no seu estilo de vida e em suas cartas, onde frequentemente criticava quase todos os aspectos da sociedade de sua época, desde política a cultura.

Unido a outros aspectos de sua vida e personalidade, este fator frequentemente guiou a escrita de Tolkien, mesmo que ele nunca tenha admitido totalmente. Isto fica bem aparente em alguns personagens, como por exemplo os Ents e as águias gigantes. Estas duas raças representariam para o autor uma forma de resposta da natureza frente aos ataques do progresso, que também tem sua representação na forma dos orcs e no mago Saruman. Este seria o perfeito retrato do corrompido século XX para o autor, já que, além de lidar com máquinas e tecnologia, ainda tem um pouco de político das falsas promessas, agressor da natureza e cientista sem escrúpulos.

Sua experiência na Primeira Guerra também está presente, nos hobbits, seres que não apreciam mudanças e preferem levar uma vida calma e aconchegante, num local verde e tranquilo. Porém, quatro deles tem que abandonar essa vida pacata e rumar em direção a uma viagem perigosa. A experiência se assemelha muito a de Tolkien e três de seus amigos de infância que lutaram no conflito, sendo que dois deles não retornaram dos campos de batalha.

Junto a todas estas referências, fica perceptível também uma aproximação deste mundo fictício com o Medievo. Esta influência não é nem um pouco infundada se considerarmos que Tolkien era filólogo e trabalhava com Inglês Médio. Assim, desde as línguas das raças da Terra Média, todas criadas pelo autor com base em idiomas antigos do norte europeu, até as divisões territoriais, estruturas sociais e códigos de conduta lembram este período, além, é claro, do grande número de inspirações que o autor trouxe da mitologia nórdica.

Assim podemos perceber que Tolkien cria este Medievo como uma espécie de antítese ao tempo no qual viveu. Como expectador de grande parte dos eventos do século XX, e opositor das mudanças trazidas pela modernidade, para ele representadas principalmente na máquina, teria dado um fundo medieval à suas obras numa tentativa de contestação do seu tempo, criando uma Idade Média utópica povoada por magos e monstros, onde as noções de progresso e tecnologia, que ele tanto repudiava, estavam representadas num grande mal a ser combatido.

O entretenimento pode também ser um instrumento para os historiadores, mesmo quando se trata de uma obra de fantasia, gênero que ainda sofre muito preconceito na academia. Porém, como vimos aqui, esta história pode ser muito útil para mostrar a visão e a opinião de um homem do século XX sobre o seu tempo, assim como de um tempo passado, que ainda aparece entre representações douradas ou escuras: a Idade Média.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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