Roberta da Silva Rosa
Doutoranda em Arqueologia pela Universidade Federal de Sergipe (PROARQ/UFS).
Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS/CNPq)
E-mail: robertarosa.ufs@gmail.com
Há 78 anos, ocorreram ataques nazistas na costa sergipana que provocaram mais de 500 (quinhentas) mortes entre homens, mulheres e crianças. Tais ataques foram considerados como um dos estopins que levaram o Brasil a participar efetivamente da II Guerra Mundial. Manter essa memória coletiva viva é importante por dois motivos: primeiro, homenagear os brasileiros e brasileiras mortos e sobreviventes desses trágicos acontecimentos; segundo, lembrar de um passado belicoso que não deve se repetir, incentivando assim a busca incessante pela paz.
A partir das análises feitas nas fontes escritas e orais, identificamos que o litoral deserto de Sergipe, nos dias 15 e 16 de agosto de 1942, se apresentou como um local ideal para as investidas solitárias do submarino alemão U-507. Emergindo das profundezas do Oceano Atlântico, o submarino, sob o comando do capitão Harro Schacht, ficou à espreita buscando encontrar suas vítimas para torpedeá-las. De acordo com as transmissões de rádio interceptadas pelo serviço secreto alemão, inúmeras embarcações navegariam nessa mesma rota em poucas horas.
No alvo dos nazistas, estariam os navios Baependi, Araraquara e Aníbal Benévolo. O radar detectou quando cada embarcação se aproximou do U-boot e bastou somente aguardar o momento exato para disparar os torpedos. Já os navios brasileiros eram rastreados por horas sem perceber a presença do inimigo, sendo assim atacados sem chance de defesa.
Naqueles trágicos dias de agosto, dezenas de corpos chegaram às praias sergipanas. Conforme as análises realizadas nas fontes iconográficas, identificamos que muitos corpos estavam mutilados, sem as partes do corpo que, provavelmente, foram dilaceradas por tubarões ou cortadas pelas hélices e ferragens dos navios. Além disso, vestígios ósseos foram encontrados espalhados pela região praiana, possivelmente, como resultado da ação de animais atraídos pelo odor dos corpos já em estado de decomposição. Os restos mortais, segundo a abordagem arqueológica, são classificados como biofatos, podendo ser estudados com a finalidade de obter informações sobre idade, sexo, saúde, condição financeira, entre outros dados a respeito das vítimas.
Os corpos que não foram identificados foram enterrados na beira da praia, em um local posteriormente chamado de Cemitério dos Náufragos, situado na Aruana, em Aracaju. As estruturas fúnebres deste local são consideradas vestígios materiais, que perduram até os dias atuais, representando a passagem da guerra por Sergipe. Além desse cemitério, outro foi construído no bairro Mosqueiro, em Aracaju, na década de 1950, e recebeu o mesmo nome de Cemitério dos Náufragos, sendo elevado à condição de Monumento Histórico Estadual por meio do Decreto n° 2.571, de 20 de maio de 1973.
Nos dois Cemitérios foram encontrados vestígios materiais informativos, como as placas que fazem referência aos naufrágios das embarcações mercantes Baependi, Araraquara e Aníbal Benévolo, enquanto fatos trágicos considerados como: “o golpe mais traiçoeiro e terrível contra o coração da nacionalidade” brasileira. A outra placa faz menção às autoridades para que “não esqueçam dos heróis que lutaram pela nossa pátria”. Tais mensagens refletem o discurso dos governantes e militares da época.
É importante lembrar que tanto os sítios históricos referentes às estruturas cemiteriais, quanto os sítios arqueológicos de naufrágios alusivos às embarcações afundadas, constituem parte do Patrimônio Cultural Brasileiro e, portanto, são símbolos da nossa identidade nacional, devendo ser preservados e divulgados enquanto “fragmentos” de um passado belicoso que não deve ser esquecido.
Afinal, as lembranças da guerra não estão “mortas” para os contemporâneos dela. Por isso, é necessário que as recordações sejam relatadas, não como uma maneira de trazer tristeza sobre esse passado doloroso da História, mas sim com o objetivo de exaltar a memória de todos os que vivenciaram esse período bélico: as vítimas fatais e os sobreviventes. Além de evidenciar os significados trazidos com o fim da guerra a exemplo da democracia, liberdade e paz entre as nações, alcançadas a custo de milhões de vidas que devem ser valorizadas.
Para saber mais:
ROSA, Roberta da Silva. Sergipe no contexto da Segunda Guerra Mundial (1942): uma abordagem da Arqueologia de Ambientes Aquáticos. 2015. Dissertação (Mestrado em Arqueologia) – Universidade Federal de Sergipe, Laranjeiras, 2015.