Pedro Carvalho Oliveira
Professor colaborador do Departamento de História da Universidade Estadual de Maringá.
Integrante do Laboratório de Estudos do Tempo Presente (LabTempo-UEM) e do Grupo de Estudos Política, Estado e América Latina (GPPEAL-UEM).
No dia 11 de setembro de 1973, o presidente chileno democraticamente eleito, Salvador Allende, foi morto durante os desdobramentos de um golpe de Estado, articulado por militares rebeldes, que iniciaria uma longa ditadura. O general Augusto Pinochet governaria o Chile com apoio dos Estados Unidos, que via uma ameaça em líderes como Allende: a Guerra Fria ganhava contornos dramáticos antes de chegar a uma distensão, que se prolongaria até o final da década de 1970. Pinochet não apenas instituiu um regime político que desprezava a coisa pública, como geriu uma das mais sangrentas ditaduras do século XX. Em face disso, manifestações públicas ocorridas no Chile desde 2019 têm atacado as heranças, políticas e econômicas, daquele período. A Espanha, buscando desfazer o que considerou uma injustiça, recentemente retirou publicamente uma homenagem feita ao general chileno.
Vinte e oito anos depois, também em um 11 de setembro, o povo estadunidense e o mundo inteiro testemunharam, atônitos, os atentados às torres do World Trade Center, símbolo da economia ocidental, localizadas no coração de Manhattan. Mesmo quem não estava lá se recorda, com certa nitidez, onde estava e o que estava fazendo quando os noticiários começaram a mostrar, ao vivo, as cenas do atentado. Das torres em chamas, algumas pessoas pulavam das janelas dezenas de andares acima do solo. Outras, haviam morrido no exato momento em que os aviões se chocaram com os edifícios. A tragédia afetaria ainda transeuntes, bombeiros, famílias e representantes políticos de todo o país. Afetaria também – e muitas vezes nos esquecemos disso – muçulmanos residentes em países ocidentais, sobre os quais uma imediata e preconceituosa desconfiança pairaria, resultando em todo tipo de violência cultural, racial e religiosa.
Os dois casos, embora apartados por quase três décadas de distância, nos permitem fazer alguns paralelos. Aqui, faremos três. O primeiro corresponde à historicidade dos acontecimentos: ambos só podem ser compreendidos se examinarmos o que veio antes. No caso do Chile, séculos de dominação colonial e de estruturas oligárquicas, cujos beneficiários se sentiram frontalmente ameaçados pela eleição de um candidato abraçado a uma agenda popular, apoiado por movimentos sociais e decidido a alargar as instâncias democráticas do país. O 11 de setembro chileno foi resultado desse receio.
O estadunidense, por sua vez, resulta de um longo processo iniciado com a Guerra do Afeganistão (1979-1989), na qual grupos reacionários como os mujahidin (que seriam o embrião do talibã) receberam apoio de Washington para combater um governo revolucionário de alinhamento soviético. Ao fim do conflito – e da ocupação socialista -, os EUA mediaram uma transição pouco satisfatória aos radicais afegãos. O prolongamento dessas tensões resultou em ressentimentos que ocasionariam o atentado às Torres Gêmeas. Dessa forma, um segundo paralelo possível é o fato de que ambos os casos possuem relação, direta ou indireta, com os processos históricos ocorridos durante a Guerra Fria.
O terceiro paralelo, e para nós o mais importante, é o fato de que os dois episódios resultaram em traumas tanto para chilenos quanto para estadunidenses e muçulmanos. A violência perpetrada pela ditadura chilena, que pavimentou seu caminho a partir daquele dia, faz parte da memória coletiva daquele povo. Sobretudo porque homenagens a Pinochet e a outros militares podem ser encontradas em espaços públicos até hoje, enquanto muitas das pessoas vitimadas pela perseguição e opressão do regime seguem desaparecidas. O atentado ocorrido em Nova York, por sua vez, mudou completamente os hábitos do povo estadunidense e instituiu novas formas de sociabilidade, dentro das quais o medo frente ao terrorismo e quanto a novas possíveis perdas se tornaram uma constante. Ao mesmo tempo, muçulmanos residentes nos EUA e em outros países ocidentais tornaram-se alvo de discursos de ódio, violência física, verbal e institucional. Portanto, chilenos, estadunidenses e muçulmanos passaram, dessas datas em diante, a viver a continuidade desses episódios nos seus cotidianos.
A presença do passado em nosso tempo é visível quando percebemos a perpetuação de traumas ocorridos anteriormente, sem os quais a realidade atual de determinadas populações não pode ser compreendida. A memória ocupa um importante lugar na busca por compreender a relação das pessoas com o passado. É por meio dela que o passado, de certa forma, permanece vivo. Lidar com os traumas é fundamental para conhecermos melhor o problema. Somente dessa maneira é possível colaborarmos com um futuro no qual os problemas do passado não permaneçam vivos e, assim, possamos educar as pessoas no sentido contrário ao da opressão e do terror.