O delírio coletivo da liberdade de expressão que vale tudo

Jairo Fernandes da Silva Júnior

Mestre em História pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (PGH/UFRPE)

Integrante do Laboratório de História do Tempo Presente (HTP/UPE)

E-mail: jairo.fernandes1994@gmail.com

Imagem de: https://twitter.com/CazeTVOficial/status/1680223191439147008

 

Em julho de 2023, deu-se início à Copa do Mundo feminina, na Austrália.  O mundial colocou o país na prateleira mais alta dos esportes, ao sediar um Jogos Olímpicos e o Mundial de Futebol. Além disso, há projeções de recorde para o evento, após o anúncio da FIFA (Federação Internacional de Futebol) que prometeu altos investimentos para bonificação destinada às federações e atletas. Segundo especialistas, as cifras chegam aproximadamente a 20 milhões de reais, potencializados pela expectativa de mais de 2 milhões de pessoas assistindo aos jogos nos estádios e através de transmissões ao vivo.

No Brasil, por exemplo, haverá um ponto de inflexão para o esporte representado pela quebra do paradigma da comunicação em massa: ser transmitido ao vivo, gratuito, no YouTube, por um dos maiores canais de entretenimento do país: a Cazé TV, que pertence ao grupo liderado pelo influenciador digital Casimiro Miguel. A emissora, se assim podemos chamar, estará transmitindo todas as partidas do evento, a partir da concessão dos direitos de imagens.

No primeiro dia de transmissão, durante a primeira partida do mundial entre Nova Zelândia e Noruega, a equipe responsável pelo chat bloqueou o espaço de interação entre os seguidores do canal, que são espectadores, pela quantidade de comentários violentos, de teor preconceituoso, machista e sexista.

A luz de alerta é acesa quando estamos diante de fatos como esse. Trata-se da falta de compreensão do conceito de liberdade de expressão que tomou o país nos últimos anos. Diante da invisibilidade proporcionada pelas redes sociais, podemos nos apropriar do termo cunhado por Norbert Elias, chamado mimetismo social, para compreender tais ações. Para o intelectual, durante uma partida de futebol, no estado de êxtase e diante da catarse coletiva, o indivíduo se transforma em um ser que se distancia dos princípios morais. Nesse caso, tornam-se incapazes de refletir sobre a liberdade de expressão e de poder decidir se vão assistir àquele evento online ou não.

Enquanto fenômeno social, o futebol protagoniza situações de violência simbólica em decorrência de suas origens fabris. Esse ambiente, majoritariamente masculino, se instalou e deu continuidade às práticas com bola no Brasil e no mundo. O rompimento de barreiras para grupos socialmente excluídos tem sido lento e processual. As mulheres, portanto, conquistam espaço a muito custo, e dentre eles a problemática dos preconceitos e sexismos.

Nos últimos anos, o futebol feminino vem ganhando notoriedade no território nacional, principalmente após a obrigatoriedade de clubes da primeira divisão do campeonato brasileiro manterem uma equipe composta por mulheres competindo na competição homônima. Tal fato, fez com que, através de transmissões em canais abertos, pudesse ser difundido o esporte no país, a fim de possibilitar a criação de identidade e pertencimento.

A Seleção Brasileira chega à Copa do Mundo 2023, na Austrália, com uma nova geração de atletas, que foram impulsionadas por quem edificou os espaços no esporte, como Cassi, Marta, Formiga e Cristiane. Essas jogadoras, cuja importância é inigualável, foram fundamentais para que nós, brasileiros e brasileiras, pudéssemos compreender o que representa hoje a modalidade. Marta, eleita 6 vezes melhor jogadora de futebol do mundo, compõe o elenco que viajou para a Austrália com objetivo de dar suportes técnico e emocional necessários, tamanha sua importância diante daquelas mulheres.

A falsa permissividade oferecida pelos espaços digitais constrói barreiras para avanços significativos, além do valor crítico do livre pensar. Este texto poderia ser escrito em outro tom, mas tem o compromisso que pauta o dever social da História do Tempo Presente, que se constitui da função de estranhar e problematizar os fatos no nosso tempo, possibilitando espaços de crítica para que, eventualmente, seja criada a consciência histórica.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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