INTERCÂMBIO DE TALENTOS SERGIPANOS E BAIANOS

“As coisas tangíveis tornam-se invisíveis à palma da mão. Mas as coisas findas, muito mais que lindas,  essas ficarão”

                                                           Carlos Drummond de Andrade

 

Analisando  os registros de aproximadamente quinhentos médicos que tiveram suas biografias levantadas na forma de verbetes para a elaboração do Dicionário Biográfico de Médicos, um dado merece ser destacado: a esmagadora maioria colou grau pela bicentenária Faculdade de Medicina da Bahia.  Para compreender a importância deste fato, somente no século XIX, no período compreendido entre 1808 (ano de fundação da Faculdade) e 1900, 124 formandos foram procedentes de Sergipe, acontecimento que o distinguiu como o estado brasileiro que mais enviou estudantes para a Faculdade, excetuando-se obviamente a própria Bahia. A proximidade geográfica naturalmente foi um fator preponderante para a determinação desse índice. O mesmo acontecimento ocorreu na primeira metade do século XX.

Vale ressaltar que a participação dos sergipanos não se restringiu apenas ao objetivo único de receber o “anel de doutor”. No que tange à Faculdade de Medicina da Bahia, Sergipe ofereceu inestimável contribuição, com vários de seus filhos, após concluírem o curso, honrando o quadro docente da instituição. Assim aconteceu com o primeiro sergipano formado em medicina na Bahia, em 1831, ano em que Dom João VI abdicou a Coroa do Brasil, assumindo o governo a Regência Trina Provisória. Estou me referindo a Manoel Ladislau Aranha Dantas, natural de São Cristóvão,  que foi professor Catedrático(Lente) de Patologia Externa. Ele foi ainda o segundo memorialista da faculdade, em 1855. Em 1866, já em idade avançada, serviu na Guerra do Paraguai, nos hospitais de sangue. Seu quadro em óleo sobre tela faz parte da Galeria dos Professores Catedráticos e Titulares da Sala da Congregação da Faculdade de Medicina da Bahia.

Outros sergipanos também foram professores da Faculdade de Medicina da Bahia: João Francisco de Almeida, Jerônimo Sodré Pereira, Manoel Dantas, Guilherme Pereira Rebello, Josino Correia Cotias, José Rodrigues da Costa Dória, Anita Guiomar Franco Teixeira, Maria de Lourdes Burgos e Thomaz Rodrigues Porto da Cruz, cujos verbetes estão  contidos no Dicionário.  E mais ainda, dois dos sergipanos acima citados chegaram a dirigir a Faculdade:  João Francisco de Almeida e Thomaz Cruz. O primeiro,  no período de 1844 a 1855, com um detalhe peculiar: tornou-se diretor ainda como estudante de medicina, uma vez que sua formatura somente aconteceu em 1946. Seu quadro em óleo sobre tela está na Galeria dos Ex-Diretores da Faculdade, localizado no Gabinete da Diretoria. Thomaz Cruz, por sua vez, foi o 36º Diretor da Faculdade, de 1992 a 1996, sendo o primeiro eleito pela comunidade,  com resultado respeitado pela Congregação. A Bahia permaneceu como grande receptor de estudantes de medicina oriundos de Sergipe até 1961, ano de fundação da nossa Faculdade de Medicina, por Antonio Garcia e colaboradores.

Muitos médicos, baianos de nascimento, após a formatura migraram para Sergipe, contribuindo para o desenvolvimento da região, não só em função da sua profissão como também pela atuação destacada em outras áreas, na economia, nas letras, na educação e na política. Entre tantos, ilustrarei com a lembrança de apenas quatro: Francisco Alberto de Bragança, formado pela faculdade primaz do Brasil em 1836, foi o primeiro médico da linhagem dos “braganças” a fincar raiz em nosso estado, mais precisamente em Laranjeiras, com inestimáveis serviços prestados à coletividade, na saúde pública e no campo educacional e cultural. Outro baiano que iniciou uma descendência  fundamental  na história de Sergipe foi Thomaz Rodrigues da Cruz. Formado em 1871, após especialização no exterior, instalou-se em Maroim, onde exerceu a clínica, atuou na política como deputado provincial, vice-presidente da Província de Sergipe e senador da república recém instalada, com atuação destacada ainda na vida cultural e econômica de Sergipe, como fundador da Fábrica Sergipe Industrial ( em sociedade com o irmão mais velho João Rodrigues da Cruz) e do Banco de Sergipe em 1906, do qual foi presidente. Já Domingos Guedes Cabral, formado em 1875, teve a sua tese  “Funções do Cérebro” rejeitada pela Congregação da Faculdade de Medicina da Bahia, “por conter doutrinas contrárias à religião oficial do estado” e pelo seu total materialismo, inclusive preconizando que o interesse deveria ser só científico e livre das pregações bíblicas. Segundo informações oficiais, foi a primeira e a única tese doutoral reprovada pela Congregação da FMB. Para obter o diploma ele defendeu a tese “Qual  o Melhor Tratamento da Febre Amarela?” Após a formatura, radicou-se em Laranjeiras, templo da medicina sergipana no século XIX, exercendo  forte influência intelectual sobre os médicos republicanos.  Finalmente, Francisco Sabino Coelho Sampaio, formado em 1841, dois anos após se transferiu para São Cristóvão onde clinicou e exerceu diversas funções públicas, sendo o médico que ocupou o cargo de Diretor de Saúde Pública em Sergipe por mais tempo, no século XIX.

Mas a corrente migratória para o nosso estado se estabeleceu de fato a partir da inauguração do Hospital de Cirurgia em 1926, por Augusto Leite, no Governo de Graccho Cardoso, motivando a vinda de  “especialistas” de várias partes do Brasil, que de logo se integraram à vida científica, política, cultural e econômica do estado, muitos deles com destacada atuação. Com a fundação da Faculdade de Medicina de Sergipe, 25 anos após, esse fenômeno foi  ampliado, em função da necessidade de composição de um futuro corpo docente. Nesse período, que considero como  “anos de ouro” da nossa medicina, nomes como  Adel Nunes, Juliano Simões,  Clóvis Franco,  Armando Domingues,  Antero Pales Carozo, Aristóteles Augusto da Silva, Carlos Muricy, Gileno Lima,  Nestor Piva, Osvaldo de Souza, Renato Mazze Lucas, Dietrich Todt e Adelmar Reis, entre outros , vieram para Sergipe e aqui se destacaram em diversas áreas. Vale considerar que alguns deles adotaram a terra de Tobias Barreto em função de designação federal, por suas ligações funcionais com a Fundação Sesp, por exemplo.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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