Aline Duarte da Graça Rizzo
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ
A nova sensação da Netlfix, Inventing Anna, narra a história de Anna Sorokin, uma jovem russa, que está sob custódia nos EUA. Seu crime: golpes financeiros aplicados na alta sociedade nova-iorquina, incluindo desde colegas ricas a instituições financeiras como City National Bank e Fortress. Tudo sob a persona Anna Delvey: jovem alemã herdeira de uma fortuna que jamais existiu. Como isso foi possível?
A minissérie estrelada por Julia Garner, e produzida pela brilhante Shonda Rhimes, parte da famosa reportagem de Jessica Pressler para a New York Magazine (2018). A narrativa não linear da minissérie intercala a experiência da jornalista em seu processo investigativo e o desenrolar dos acontecimentos. A história peculiar e surpreendente desse caso dá margem a muitas frentes interpretativas. Por um lado, é inevitável pensar os possíveis traços de sociopatia da personagem. É possível também refletir se a condenação de Sorokin foi justa comparada a crimes mais graves que resultaram em penas menores/absolvição, todos praticados por homens, como enfatiza Pressler. Mas o destaque aqui é: como uma jovem de 20 e poucos anos, sem curso universitário e experiência, consegue enganar grande parte da elite global a ponto de quase (quase!) conseguir um empréstimo de 40 milhões de dólares? Por que essas pessoas acreditaram em Anna Delvey?
A velha interpretação misógina de atribuir ao sexo o sucesso profissional de mulheres foi fortemente ventilada nesse caso. Mas não. Anna simplesmente, e de forma genial, entendeu as regras do jogo: a meritocracia é um mito. E veja, é um mito não só porque o acesso à educação e qualificação em contexto de desigualdade social é restrito, mas também porque, muitas vezes, esse acesso não é suficiente. Embora de família pobre, Anna teve oportunidade de formação básica na Alemanha e tem impressionante talento para o desenho. Fez estágio em revista de moda, sua grande paixão. Por que não percorrer o trajeto “normal” de ascensão? Como jovem, mulher, imigrante e muito ambiciosa, entendeu que as redes e status a levariam mais longe e mais rápido. Desenvolveu com perfeição a lógica da Economia do Dom descrita por Mauss. Seus esquemas não foram descobertos sem antes figurões da arte, arquitetura, moda e mercado financeiro considera-la como player. Embora esse caso seja quase surreal pela capacidade de Anna criar uma personagem crível, é paradoxalmente banal dada a forma como os espaços de poder têm corriqueiramente sido preenchidos na era (neo)liberal, a despeito de sua pretensa ideia de que mobilidade social se dá unicamente pela capacidade do indivíduo. Não foi só a falsa herança que abriu portas pra Anna. Ela soube vender sua personagem. E ela não é a única farsante, Delvey só foi possível porque seus “pares” fazem o mesmo jogo. Quantos chegam a espaços de poder com suas “pequenas fraudes”? Afinal, a meritocracia é sobre quem conhece mais, trabalha mais ou quem convence mais?