Isenção e Independência do Poder Judiciário

A garantia de um Poder Judiciário independente é essencial à mais perfeita configuração de um Estado Democrático de Direito. Há quem aponte, com consistência, que mais importante do que o catálogo de direitos fundamentais previsto no ordenamento jurídico é a garantia da acessibilidade e efetividade da prestação jurisdicional assecuratória desses direitos fundamentais.

 

É exatamente por isso que, no Brasil, o Poder Judiciário é estruturado com garantias objetivas de independência (autonomia administrativa e financeira e autonomia para elaboração de sua proposta orçamentária), bem como prerrogativas dos magistrados, enquanto tais (vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios), que lhes asseguram plenas condições objetivas de insuscetibilidades a qualquer tipo de pressão ou ingerência para que julguem de uma ou outra forma os casos sob sua apreciação.

 

Com efeito, a sociedade é a detentora dessas prerrogativas: um Poder Judiciário independente é a sua garantia contra toda sorte de abuso de poder e contra violação de direitos. A cidadania confia que as decisões judiciais – porque decorrem de um Poder Judiciário independente, com juízes imunes a pressões externas (pois detentores daquelas prerrogativas) – resultam de livre convicção interpretativa do magistrado ante as circunstâncias do caso e o direito posto.

 

O outro lado dessa necessária garantia de independência dos magistrados é a proibição de que pratiquem certos atos ou condutas que, de algum modo, possam transparecer à sociedade uma espécie de vinculação com interesses outros que não o interesse público e que, de algum modo, comprometam a isenção dos seus julgamentos.

 

Nessa direção, os magistrados estão proibidos de: exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério; receber, a qualquer título, custas ou participação em processo; dedicar-se à atividade político-partidária; receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei; exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo ou aposentadoria ou exoneração.

 

A oportunidade desse comentário advém da notícia nacionalmente apresentada de realização do 27° Encontro de Juízes Federais, que se realizou entre 10 e 13 de novembro, em um hotel cinco estrelas, na Ilha de Comandatuba/BA. Segundo dados levantados pela imprensa nacional, a diária nesse resort custa entre R$ 900,00 e R$ 4.000,00, mas os magistrados que se inscreveram nesse 27° Encontro tiveram a hospedagem garantida mediante pagamento da quantia de R$ 750,00 (ou seja, pelo valor inferior ao valor normal de uma diária puderam desfrutar de quatro diárias). A inscrição ainda teria dado direito à participação em show de Elba Ramalho, oficinas para aprendizado do jogo de golfe, entre outros momentos de lazer, cultura e entretenimento, além das palestras e debates jurídicos propriamente ditos. Tudo isso somente teria sido possível graças ao patrocínio da Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, Souza Cruz, Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e Lubrificantes, Eletrobrás e Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial. Valores revelados publicamente desses patrocínios: R$ 280.000,00 da CEF, R$ 100.000,00 do BB e R$ 60.000,00 do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e Lubrificantes.

 

Situações como essa podem gerar na comunidade a presunção (legítima, diante das circunstâncias, ainda que não verdadeira) de que determinado julgamento proferido por um magistrado que tenha se beneficiado desses patrocínios – em demandas nas quais sejam partes processuais alguma das entidades patrocinadoras ou suas filiadas – consista num favorecimento resultante de uma “troca de favores”.

 

Como bem apontou WÁLTER FANGANIELLO MAIEROVICH, “Não há dúvida de que, no caso relatado acima, o patrocínio é concedido a uma associação privada, que congrega magistrados ativos e inativos. Assim, os magistrados acabam, por via da associação, se beneficiando do patrocínio. Pergunta-se: o leitor, caso promovesse uma ação indenizatória contra um dos patrocinadores, desconfiaria da isenção do magistrado julgador e partícipe do encontro?”.[1]

 

A simples possibilidade de que algum cidadão presuma que o resultado de um julgamento decorre de uma devolução de favor, e não de uma independente e isenta apreciação do caso concreto à luz do direito posto, gera descrédito na prestação jurisdicional e por isso mesmo deve ser evitada. Não foi por outra razão que a emenda constitucional n° 45/2004 inseriu na Constituição Federal a proibição de que magistrados recebam, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas.



[1] In Carta Capital, 17/11/2010, p. 25.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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