Itabaiana não é assim!

Causou-me estranheza um agente policial, ao explicar as sucessivas mortes em Itabaiana, declarar que tudo se devia a uma contumaz tendência daquele povo para o uso da violência.

 

Estribava-se o agente da lei, em seu definitivo parecer sociológico, em fatos ocorridos nos anos cinqüenta, quando a política se extremara numa polarização perigosa com conseqüências funestas.

 

E o parecer pareceu-me, querer dizer que Itabaiana é um caso sem solução, só mudando a população, porque o ceboleiro, por natural, é um matador plenipotencial.

 

E eu nunca tive esta impressão dos itabaianenses.

 

Do que sei de Itabaiana, é tratar-se de um município por excelência de gente trabalhadora, e, sobretudo, de gente inteligente.

 

Das minhas dezenas de milhares de alunos, e foram muitos, desde o Atheneu na juventude, e na UFS, por mais amiúde, de mais tempo e amplitude, foi raro eu encontrar um estudante medíocre oriundo da serra. A regra era encontrar sujeitos caprichosos, inteligentes, disciplinados e aplicados nos estudos. E que depois na vida profissional, muitos se revelaram profissionais destacados em todas as áreas; dos números às leis, dos âmagos celulares às ofertas e procuras, nas buscas de todas as curas, nos saberes vários da vida e das letras.

 

Agora esta propensão para matar, eu nunca percebi, nem temi em meus alunos e em meus amigos de Itabaiana Grande.

 

Pelo contrário, só vi gente a orgulhar Itabaiana. Do sujeito Oviêdo; do prefeito Serapião; do poeta Alberto Carvalho; dos Teles; dos Mendonça; dos Machado, de José Augusto meu colega químico, eficiente, caprichoso, correto, de José Carlos, grande estudante, deputado e político destacado, que está a merecer de Sergipe em mais e melhor valia, sobretudo em meio a tantos de precedência vazia, de José Milton, seu irmão, um grande aluno meu, morto tão cedo, de José Alberto Andrade, meu professor de Físico-Química, que virou empresário e de Alberto Luiz Andrade, este meu colega, e que virou pesquisador vitorioso na UNICAMP.

 

Itabaiana de meus amigos do Rotary, Carlinhos Siqueira e sua harmoniosa Marilene, vindos com toda uma irmandade dele e dela, nunca sabidos violentos, mas sempre generosos, ditosos e radiantes.

 

E outros como Portela cantando as manhãs da Serra; Zé Queiroz, deputado constituinte e Zezinho, que foi um meu bom aluno no Arqui; Fefi, o colecionador de troféus da Associação Olímpica de Itabaiana.

 

E outros ainda que não são de meu tempo como Sebrão Sobrinho, historiador das laudas de Aracaju, mas o é, o seu descendente colateral, Vladimir Carvalho, contista, ensaísta e Ministro Desembargador Federal.

 

E mais outros que ficaram na terra como Antônio Milet, amigo e colega de meu pai; Ênio Araújo, Carlinhos da Madeireira, Messias Peixoto e D. Gicelma, comerciantes eficientes.

 

Os irmãos Peixoto, com dois padres, um meu pároco da Catedral, que em bela voz ambos cantam a beleza de Deus, e pregam a paulina teologia, tentando converter os gentios modernos, estes como todos nós que sentimos o mundo veloz e nos esquecemos de rezar e até de pensar em Deus.

 

Itabaiana, terra adotada por Dr. Pedro Garcia Moreno, tio de minha mulher, e que lá plantou filhos e filhas, homens e mulheres, gente séria, honesta e proba.

 

Itabaiana das santas almas como a de José Crispim, pai de Átalo, meu colega que quis ser médico, pesquisador homeopata, e Abraão, seu irmão, filhos da mesma nata, aluno que virou político, edil e sindicalista em Aracaju, seguindo o velho rastro de correção e liderança. E que ninguém nunca os viu com lambança.  Nenhum deles, e todos eles, ninguém os viu no recebo com desonestos, no usuário ou no ordinário, em amancebo com o covarde e o sicário. 

 

Pelo contrário! Que se cite em longa fila, lista de filas sem fim, em todo ramo utilitário, como Valfredo Tavares, que ia esquecer, e a Maria José, sua irmã, ele meu colega do Jackson Figueiredo, que padecente de unheiro terrível, se fez médico especialista, não das unhas, mas dos rins e dos dilemas urinários, e ela que por impotência do nosso querer voluntário foi, tão depressa, deixando saudades, sem ver o sorriso de netos, e que está no obituário, de tantas, e de quantas, santas almas ceboleiras.

 

Itabaiana dos vivos e dos mortos, Itabaiana que chora, que luta e que ri. Itabaiana que desfruta o riso na micarana, na festa do caminhoneiro, no grito do gol tricolor. Itabaiana que vê com muita dor um nascer de violência.

 

Violência constatada, documentada, três dezenas de mortos, terrível!

Uma coisa horrível! Porque isto não é de tradição ceboleira! Itabaiana nunca foi terra bandoleira!

 

Se nos anos cinqüenta a política foi violenta, ela era localizada, bem definida e reconhecida. Não se culpe a briga pessoal de Euclides Paes Mendonça e Manoel Teles, homens honestos, vitoriosos e trabalhadores, mas que em refrega sem descanso, e sem trégua, se derrotaram sozinhos, sendo ruim só para ambos.

Bem diferente deste arreglar atual, com mortes encomendadas em tocaias.

 

Por outro lado, a violência dos anos cinqüenta não ficava restrita a Itabaiana.

 

Que se relembrem em violência dos anos cinqüenta, a política de Ribeirópolis dos Passos e dos Cearás.

 

Se vamos pesquisar este tempo comum por ruim, lembremos que também em Boquim, houve muito tiro com o Deputado Nivaldo escapando como alvo de tão ruim pontaria, embora até o judiciário tenha sido pior papalvo a sofrer pancadaria.

 

Por que também não falar de Capela em que a política perseguia até os músicos como Leozírio Guimarães e seu Coral Genaro Plech, e teve até um prefeito morto que ficou impune.

 

Que dizer dos municípios do alto São Francisco, onde Virgulino Lampião nos anos trinta vivera e arregimentara seguidores?

 

Que dizer de Estância apolínea com Francisco Macedo trocando tiro, Salgado e suas águas doces, enleando relações agridoces com o valente Durval Militão enfrentando desafetos, e outros a somar ao retrospecto, como o prefeito Campos morto no fio frio da peixeira, na amena Barra dos Coqueiros?

 

Tudo no mesmo tempo, ou quase no mesmo tempo. Ou seja, não há povo que não tenha as suas dores.

 

Outra coisa é dizer que um povo é violento, é ser por excelência o criminoso de Lombroso, justamente quando o lombrosianismo já se escafedeu, com a ciência multivariando o animus necandi e o animus laedendi, sobretudo quando o infrator é belo, como Iago que não era feio como Otelo, com Frinéia, a bela Frinéia despida, repelindo algozes, descabeçando censores e juizes, e ressoando nas cores e nos versos de Bilac:

 

“Pasmam subitamente os juizes deslumbrados,

– Leões pelo calmo olhar de um domador curvados:

Nua e branca, de pé, patente à luz do dia

Todo o corpo ideal, Frinéia aparecia

Diante da multidão atônita e surpresa,

No triunfo imortal da Carne e da Beleza.”

 

Se no reverso de Bilac, não se pode ver, desfeito o véu, a operosa e bela silhueta de Itabaiana, que não vejam em sua gente o marginal e o mal não inerentes.

 

Se as mortes estão agora rotineiras por ali, não será porque está faltando, de quem é o responsável pela segurança, competência técnica de investigação e vigilância?

 

Mortes encomendadas só existem, em todo tempo, porque há quem contrate e há quem se preste para este múnus equivocado.

 

Em ambos os casos, matador e mandante são figuras que se destroem pelos próprios feitos, e logo são descobertos e conhecidos. Daí a necessidade da inteligência investigativa, porque os demais crimes, passionais, testemunhais e ocasionais, estes todo mundo sabe quem fez, inclusive com o próprio responsável confessando e assumindo. O difícil é apurar o crime solerte e escondido, de mando.

 

Infelizmente, é da natureza do humano utilizar a violência e o crime de mando pra sanear as diferenças quando falta a justiça necessária, de quem devia prestar com eficiência. E é um perigo quando os homens descrêem na justiça que deveria ser cega, rápida e precisa.

 

Infelizmente o crime tem sido fomentador de recursos infinitos de discussões verbosas de advogado. Ou seja, quanto mais discussões e ações procrastinatórias, mais emprego para os prestadores de Direito, a única profissão que traz, hoje no Brasil, maiores pró-labores, só lidando com o palavrório e o papelório. E assim vê-se crescerem as milícias, os matadores de aluguéis, os vingadores e caçadores de revéis.

 

Quanto a Itabaiana, não lhes busquem um demérito que não tem. Não tomem a exceção pela regra. Que os crimes sejam apurados, repelidos, e exemplarmente punidos.

 

Agora dizer que o ceboleiro é useiro e vezeiro da violência, é excesso de imprudência e uma indelicadeza muito grande com o povo de Itabaiana Grande.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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