Jango, JK e a Operação Cajueiro

Honras militares para o ex-presidente João Goulart. Quase 37 anos após a sua morte, os despojos do presidente deposto pelo golpe militar de 1964 foram recebidos com homenagens póstumas, em Brasília, na última quinta-feira, pela atual mandatária do País, Dilma Rousseff, três ex-presidentes, a viúva Maria Thereza Goulart, e solene aparato militar – algo impensável nos 12 anos que restaram de sua vida após a instauração da ditadura.

A chegada dos restos mortais de Jango foi saudada com a execução do Hino Nacional e da Marcha Fúnebre e com o disparo de 21 tiros de canhão. Usando trajes de gala, militares das três forças receberam a urna funerária do ex-presidente.

Os restos mortais de João Belchior Marques Goulart foram exumados em cemitério de São Borja (RS), torrão natal, e estão sendo periciados pela Polícia Federal para finalmente se conhecer a causa da morte ocorrida numa fazenda particular em Mercedes, província de Corrientes, na Argentina, em 6 de dezembro de 1976, quando contava 57 anos.

A versão que se tornou oficial é que, cardiopata, ele teria sofrido um infarto. Uma autópsia nunca foi realizada. Nos últimos anos, evidências reforçaram a hipótese de que o ex-presidente pode ter sido envenenado por agentes ligados à repressão uruguaia e argentina, sob orientação do governo brasileiro.

Naquele momento, estava em ação a Operação Condor, uma aliança político-militar entre os vários regimes da América do Sul, com o apoio da agência americana CIA, criada com o objetivo de coordenar a repressão aos opositores dessas ditaduras, eliminar líderes de esquerda e reagir à Organização Latino-Americana de Solidariedade, nascida sob inspiração de Fidel Castro.

A principal evidência do assassinato de Jango foi o depoimento de um ex-espião uruguaio, Mario Neira Barreiro, ao filho de Jango, João Vicente Goulart, em 2006. Preso por crimes comuns em uma penitenciária de Charqueadas, no Rio Grande do Sul, ele revelou que espionava o ex-presidente e que teria participado de um complô para trocar seus remédios por uma substância mortal. Em 2007, a família de Jango solicitou ao Ministério Público Federal a reabertura das investigações. O pedido de exumação foi aceito em maio deste ano pela Comissão Nacional da Verdade.

JK, Lacerda e Cajueiro

A partir de 1975, houve um endurecimento do regime militar brasileiro e a ordem era dizimar o proscrito Partido Comunista Brasileiro (PCB), que continuava exercendo influência em diversos órgãos da sociedade e do Estado, inclusive, mantendo representação nos parlamentos municipais, estaduais e federal, através do MDB. No bojo desse recrudescimento da onda anticomunista, foram assassinados nas celas do DOI-CODI, em São Paulo, o jornalista Wladimir Herzog, em outubro de 1975, e o operário Manuel Fiel Filho, em janeiro de 1976.

Em fevereiro desse ano, véspera de Carnaval, ocorreu em Aracaju e Operação Cajueiro. Uma força especial vinda da Bahia, sob as ordens do general linha-dura Adyr Fiúza de Castro, comandante da 6ª Região Militar, sediada em Salvador, prendeu arbitrariamente 25 sergipanos, processando 18 deles, além de processar também o então deputado estadual Jackson Barreto, que era ligado ao Partidão, mas não chegou a ser preso.

Nesse rescaldo reacionário também teriam sucumbido Juscelino Kubitschek e Carlos Lacerda. O ex-presidente morreu em 22 de agosto de 1976 num acidente de carro na Via Dutra nunca esclarecido. Na última quarta-feira, a Comissão da Verdade da Câmara Municipal de São Paulo ouviu um perito mineiro que participou da exumação dos restos mortais do motorista Geraldo Ribeiro, feita em 1996, 20 anos depois da morte do ex-presidente. O motorista dirigia o Opala acidentado.

O perito aposentado lembrou que foi proibido de fotografar aquela exumação e que foi meio sem querer que alguém revelou algo que não deveria. “Abrindo-se a caixa, levantou o crânio. Quando eu vi o crânio, eu vi um buraco de bala. Um provável orifício provocado por entrada ou saída de projétil de arma de fogo. Não consegui fazer a fotografia, eles fecharam”, declarou Alberto Carlos de Minas, o perito aposentado.

O motorista de JK teria sido alvejado por um tiro e por isso o carro teria se desgovernado e batido numa carreta, também matando o ex-presidente, aos 73 anos.

A Comissão da Verdade de São Paulo pediu a exumação do crânio do motorista e já decidiu encaminhar tudo o que foi apurado sobre a morte de Juscelino Kubitschek para a Comissão Nacional da Verdade. Também está preparando um documento para pedir que a causa da morte do ex-presidente seja reconsiderada. “Com os indícios que nós temos vamos pedir que a CNV abra procedimento para considerar o assassinato de JK”, afirma o vereador Gilberto Natalini (PV). O desejo da comissão é conseguir a mesma reparação histórica que foi feita com Vladimir Herzog, que em março deste ano teve um atestado de óbito afirmando que foi morto pela ditadura e não se suicidou, como os militares tentaram forjar.

Quanto a Carlos Lacerda, o polêmico jornalista e político fluminense morreu em 21 de maio de 1977, aos 63 anos, supostamente de infarto no miocárdio um dia após ser internado com uma gripe na clínica São Vicente. Como os três líderes da Frente Ampla morreram em datas próximas, tal fato persuadiu alguns estudiosos a supor que estas mortes possam estar relacionadas.

A Frente Ampla foi um movimento de resistência ao golpe militar de 1964 lançado em novembro de 1966 e que seria liderada por Lacerda e seus antigos adversários político, Jango e JK. Jango morreu três meses e 15 dias após JK e Lacerda morreu quatro meses e 15 dias após Jango.

A família desconfia de assassinato e a jornalista Maria Cecília de Azevedo Sodré garante: “Mataram Lacerda”. Ela foi amante do líder da extinta UDN nos dois últimos anos de vida do ex-governador. Numa entrevista a IstoÉ em 1990, ela contesta as versões de que ele andava doente e abatido e garante que nada indicava que pudesse morrer a qualquer momento. “Ele vivia o auge de sua glória, como homem, pensador e amante.” A suspeita de assassinato de Lacerda ainda não é investigada.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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