Vez em quando, gosto de mexer nas estantes para reler algum livro. Outro dia, dei com o livro O melhor de Stanislaw Ponte e Preta, nome adotado por Sérgio Marcos Rangel Porto. Li o livro como se fosse a primeira vez,gaitando muito, como diz Vulfânia, a minha assistente free-lancer. E aqui vai duas de suas gostosas crônicas.
COM A AJUDA DE DEUS
Diz que era um lugar de terra seca e desgraçada, mas um matuto perseverante, um dia, conseguiu comprar um terreninho e começou a trabalhar nele. E, como não existe terra bem tratada que deixe quem a tratou na mão, o matuto acabou dono da plantação mais bonita do lugar.
Foi quando chegou o padre. O padre chegou, olhou para aquele verde repousante e perguntou quem conseguira aquilo. O matuto explicou que fora ele, com muita luta e muito suor.
—- E a ajuda de Deus – emendou o padre.
O matuto concordou. Disse que no começo era de desanimar, mas deu um duro desgraçado, capinou, arou, adubou e limpou todas as pragas locais.
—- E com a ajuda de Deus – frisou o padre.
O matuto fez que sim com a cabeça. Plantou milho, plantou legumes, passou noites inteiras regando tudo com cuidado e a plantação floresceu que era uma beleza. O padre já ia dizer que fora com a ajuda de Deus, quando o matuto acrescentou.
—- Mas deu gafanhoto por aqui e comeu tudo.
O matuto ficou esperando que o padre dissesse que deu gafanhoto com a ajuda de Deus, mas o padre ficou calado. Então o matuto prosseguiu. Disse que não esmorecera. Replantara tudo, regara de novo, cuidara da terra como de um filho querido e o resultado estava ali, naquela verdejante plantação.
—- Com a ajuda de Deus – voltou a afirmar o padre.
Aí o matuto achou chato e acrescentou.
—- Sim, com a ajuda de Deus. Mas , antes, quando Ele fazia tudo sozinho, o senhor precisava ver, seu padre. Essa terra não valia nada.
A VELHA CONTRABANDISTA
Diz que era uma velhinha que sabia andar de lambreta. Todo dia ela passava pela fronteira montada na lambreta, com um bruto saco atrás da lambreta. O pessoal da Alfândega – tudo malandro velho – começou a desconfiar da velhinha.
Um dia, quando ela vinha na lambreta com o saco atrás, o fiscal da Alfândega mandou ela parar. A velhinha parou e então o fiscal perguntou assim pra ela:
—- Escuta aqui, vovozinha, a senhora passa por aqui todo dia, com esse saco aí atrás. Que diabo a senhora leva nesse saco ?
A velhinha sorriu com os poucos dentes que lhe restavam e mais os outros, que ela adquirira no odontólogo, e respondeu:
—- É areia!
Aí quem riu foi o fiscal.Achou que não era areia nenhuma e mandou a velhinha saltar da lambreta para examinar o saco. A velhinha altou, o fiscal esvaziou o saco e dentro só tinha areia. Muito encabulado, ordenou à velhinha que fosse em frente. Ela montou na lambreta e foi embora, com o saco de areia atrás.
Mas o fiscal ficou desconfiado ainda. Talvez a velhinha passasse um dia com areia e no outro com muamba, dentro daquele maldito saco. No dia seguinte, quando ela passou na lambreta com o saco atrás, o fiscal mandou parar outra vez. Perguntou o que é que ela levava no saco e ela respondeu que era areia, uai! O fiscal examinou e era mesmo. E durante um mês seguido, o fiscal interceptou a velhinha e, todas as vezes, o que ela levava no saco era areia.
Diz que foi aí que o fiscal se chateou.
—- Olha vovozinha, eu sou fiscal da Alfândega com 40 anos de serviço.Manjo essa coisa de contrabando pra burro. Ninguém me tira da cabeça que a senhora é contrabandista.
—- Mas no saco só tem areia! – insistiu a velhinha.
E já ia tocar a lambreta, quando o fiscal propôs.
—- Eu prometo à senhora que deixo a senhora passar. Não dou parte, não apreendo, não conto nada a ninguém, mas a senhora vai me dizer: qual é o contrabando que a senhora está passando por aqui todos os dias?
—- O senhor promete que não espáia? – quis saber a velhinha.
—- Juro – respondeu o fiscal.
—- É lambreta.