Liberte-se da obrigatoriedade da dádiva!

Há aproximadamente 10 anos, eu lia pela primeira vez o ensaio sobre a dádiva de Marcel Mauss, mas foi exatamente nesse momento que parei para refletir sobre como esses escritos cabem perfeitamente na análise das relações em sociedade atualmente. Em seu texto, Mauss fala sobre o mana, que é algo associado a um dom, uma doação especial, em que alguém dá algo de si ao outro.

O autor atribui à dádiva, uma criação de relação de dependência entre quem está doando e quem está recebendo. Para ele, a constituição das relações sociais está pautada por uma linha constante entre o dar e o receber. Ao menos essa é a minha breve interpretação e resumo dessa obra de pouco mais de 200 páginas. Continuando, para Mauss, aquilo que é doado, sobretudo por ser uma parte de si mesmo, é algo que não pode ser vendido, é necessário que haja a retribuição, ou seja, dar e receber são obrigações sociais, porém constituídas de maneiras distintas e particulares em cada caso de troca.

Partindo para o meu olhar sobre esses fatos (ou atos) sociais, percebo que essa teoria Maussiana é praticada o tempo inteiro, em todas as relações. O grande problema é que a régua de quem está doando é sempre maior, mais robusta e mais preciosa que a do outro, o receptor. Ou seja, dentro da minha perspectiva de doadora, eu almejo receber o que eu considero igual ou melhor do que aquilo que dei ao outro, porém, a interpretação e classificação do que eu recebo pode ser, e acredito que na maioria das vezes é, distinta daquilo que o outro está reciprocando.

Exemplos de decepções por falta de reciprocidade não faltam, convites para eventos, presentes em datas comemorativas e felicitações por realizações pessoais ou profissionais de pessoas que você considera, ou que elas mesmas se consideram, pertencentes a um grupo íntimo de sua estima, são alguns dos exemplos de obrigações, que, se não cumpridas, quebram a dádiva da comunidade. Afinal, para manter as relações sociais ativas, é necessário reciprocar.

O ser humano segue no eterno loop em viver para agradar e ser agradado por seu grupo social, em vez de se preocupar com questões mais profundas que permeiam a vida em comunidade, como as que dizem respeito à individualidade, escolha, diversidade, sobretudo através de óticas que não são as mesmas. É bem verdade que a reciprocidade é uma dádiva, mas seguir insistindo e fomentando a sua existência como um processo obrigatório entre as partes que compõem a relação entre o dar e receber é exaurir e desgastar a essência do ser, que é a sua autenticidade e livre arbítrio em agir de maneira individual e desprendido de tantas algemas e obrigações.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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