O travo amargo da vitória

Marcos Cardoso*

Lula não é um vencedor qualquer. Quatro anos atrás, ele estava preso, alijado do processo eleitoral do qual poderia ter saído eleito, e dado como morto para a política por seus adversários e algozes. Resistiu estoicamente, provou que tinha sido vítima de injustiças, retomou as rédeas do seu destino e, fato inédito, conseguiu vencer no primeiro turno o presidente que busca a reeleição a qualquer custo.

Lula obteve mais de 57 milhões de votos, um recorde para o primeiro turno e percentualmente o segundo melhor desempenho dele nessa etapa da eleição: em 2006 obteve 48,60% dos votos, agora foram 48,43%. Mas a vitória de Lula veio com um travo amargo de derrota.

Os institutos de pesquisa erraram ao não perceberem que o voto útil e o voto encabulado estavam sendo irrigados na verdade para Bolsonaro e não para Lula como se cogitou. Nesta eleição regida pelo medo da violência do adversário e que inibiu o uso de camisas e bandeiras vermelhas, muitos acreditavam que eleitores de Lula escondiam o voto para não serem agredidos. Não foi bem isso o que aconteceu.

Enquanto se discute se eleitores de Bolsonaro, certamente evangélicos, esconderam dos institutos de pesquisa que votariam nele, eleitores ciristas viraram voto não em benefício do petista, mas do presidente que busca a reeleição, por acreditarem que Lula agora é inimigo de Ciro. E aqui quem errou foi o PT, por se deixar levar pelas idiossincrasias do candidato do PDT – que realmente alimentou o antipetismo – e trabalhar para desidratá-lo.

O resultado é que a votação obtida por Lula ficou dentro da margem de erro dos principais institutos, Datafolha e Ipec (antigo Ibope), mas Bolsonaro alcançou de seis a sete pontos percentuais a mais do que o previsto, resultando numa segunda colocação bem mais palatável para o atual presidente da República.

Embora, na entrevista que concedeu no cercadinho logo após o final da apuração, Bolsonaro parecia insatisfeito por ter perdido para Lula. Acreditava ele que poderia mesmo vencer no primeiro turno, como vinha alardeando nos dias que antecederam o pleito? Vá saber.

Bolsonaro obteve mais de 51 milhões de votos, 43,20% do total, um resultado que surpreendeu a quem acreditou que ele não chegaria a 40% do total, incluindo todos os eleitores de Lula. Pesou para isso o desempenho nos três maiores colégios eleitorais do país, onde só perdeu em Minas Gerais, mesmo assim por uma diferença bem menor do que a aferida pelos institutos. Aliás, foi exatamente na região Sudeste onde as pesquisas erraram grosseiramente.

Um dia antes da eleição, o Ipec dizia que Lula ganharia em São Paulo com 9 pontos de diferença, 48% a 39%, venceria em Minas com 21 pontos de frente, 55% a 34%, e venceria com empate técnico no Rio de Janeiro, 46% a 42%. Resultado: Bolsonaro venceu em São Paulo, 47,71% a 40,89%, ganhou com folga no seu reduto, o Rio de Janeiro, 51,09% a 40,68%, e encurtou a distância em Minas Gerais, 48,29% a 43,60% para Lula.

Esse foi o primeiro baque para os lulistas. O outro, mais preocupante, foi a vitória maiúscula do bolsonarismo no Congresso, com destaque para a eleição de 20 dos 27 cargos de senadores em disputa, com o requinte de eleger comensais da cozinha de Bolsonaro, como ex-ministros e ex-secretários, que eram foram motivos de pilhéria por parte da oposição. Uma prova de que o discurso tosco do presidente agrada seus eleitores.

O general vice-presidente Hamilton Mourão foi eleito senador pelo Rio Grande do Sul.  Damares Alves, ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, foi eleita senadora pelo Distrito Federal. O astronauta Marcos Pontes, ex-ministro da Ciência e Tecnologia, foi eleito senador por São Paulo.

A ex-ministra da Agricultura, Tereza Cristina, foi eleita senadora pelo Mato Grosso do Sul. Rogério Marinho, ex-ministro do Desenvolvimento Regional, foi eleito senador pelo Rio Grande do Norte. Até o ex-ministro da Justiça Sergio Moro foi eleito senador pelo Paraná. E Jorge Seif, ex-secretário de Aquicultura, foi eleito senador por Santa Catarina.

Outros ex-ministros, Onyx Lorenzoni, da Cidadania, e Tarcísio de Freitas, da Infraestrutura, passaram em primeiro lugar para o segundo turno na disputa pelos governos do Rio Grande do Sul e de São Paulo. No maior colégio eleitoral do país, as pesquisas sempre apontaram Fernando Haddad com ampla vantagem.

E ainda no primeiro turno, Cláudio Castro e Romeu Zema foram reeleitos governadores do Rio de Janeiro e Minas Gerais, desbancando com facilidade os aliados lulistas Marcelo Freixo e Alexandre Kalil.

Como se não bastasse, Magno Malta volta a ser senador pelo Espírito Santo e Romário foi reeleito senador pelo Rio de Janeiro. O ex-ministro do Meio Ambiente e que defendia passar a boiada enquanto o país se distraía com a covid, Ricardo Salles, é um dos deputados federais mais votados de São Paulo, e o ex-ministro da Saúde que obedecia a ordem do presidente para não comprar vacina, Eduardo Pazuello, foi o segundo deputado federal mais votado do Rio de Janeiro. O ex-secretário da Cultura, Mário Frias, também foi eleito deputado federal pelo Rio.

Fechando a conta, o PL de Bolsonaro terá a maior bancada no Senado, nove senadores, e na Câmara, abrigará impressionantes 96 deputados federais. Mas calma que não tem nada ganho ou perdido.

Lula abriu mais de 6 milhões de votos no primeiro turno e ficou a 1,6 ponto de quitar a fatura. Está na iminência de conquistar os apoios de Simone Tebet, Ciro Gomes e os partidos que os apoiam, incluindo MDB, PSDB, Cidadania e PDT.

O PT ampliou e terá a segunda maior bancada na Câmara, 68 deputados, contra 54 eleitos em 2018. O PSOL também cresceu e terá 12 deputados, incluindo Guilherme Boulos, o segundo mais votado do país, superando um milhão de votos. O PSB de Alckmin terá 14, o PDT terá 17.

O PT elegeu três governadores, Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte, e disputa o segundo turno em quatro estados, São Paulo, Bahia, Santa Catarina e Sergipe. O PSB já elegeu o governador do Maranhão e disputa Espírito Santo e Paraíba. Ambos os partidos da base lulista têm boas chances de fazer novos governadores.

Portanto, não é uma sangria desatada. Que ninguém subestime a competência de Lula para ganhar eleição, principalmente no segundo turno.

*É jornalista.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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