Medidas Provisórias e Abusos Recíprocos de Poderes

Foi notícia em todo o país: na semana passada, o Presidente do Senado Federal, Senador Garibaldi Alves, anunciou a devolução da medida provisória n° 446/08 ao Presidente da República.

 

Essa medida provisória “dispõe sobre a certificação das entidades beneficentes de assistência social, regula os procedimentos de isenção de contribuições para a seguridade social, e dá outras providências”.

 

Segundo o Presidente do Senado – e também do Congresso Nacional – a MP n° 446/08 contém inúmeros problemas e não pode ser votada da forma como está”. E a decisão de devolvê-la ao Presidente da República se baseou “nos incisos II e XI do artigo 48 do Regimento Interno do Senado Federal, segundo os quais compete ao presidente do Senado Federal “velar pelo respeito às prerrogativas do Senado e às prerrogativas dos Senadores e impugnar as proposições que lhe pareçam contrárias à Constituição, às leis ou a este Regimento”.” (http://jbonline.terra.com.br/extra/2008/11/19/e191125644.html).

 

Ora, aqui mesmo neste espaço da Infonet já tive a oportunidade de apontar que as medidas provisórias, previstas na Constituição Federal para serem adotadas pelo Presidente da República em casos de relevância e urgência, “deveriam ser instrumentos da atividade legislativa excepcional do Poder Executivo (eis que a atividade legislativa é precípua do Poder Legislativo), em situações tais em que a destacada importância da matéria e a impossibilidade de espera pela tramitação regular de um projeto de lei no Congresso Nacional justificassem a sua adoção”. Disse ainda que, infelizmente, essa não tem sido a prática dos Presidentes da República que governaram o país após a promulgação da Carta Republicana de 1988: o abuso na edição e reedição cotidiana de medidas provisórias desprovidas de urgência ou relevância ou de ambos, pelos sucessivos Presidentes da República, fizeram do Poder Executivo no Brasil o ator político legislativo por excelência, caracterizando usurpação da função legislativa pelo Poder Executivo, em prejuízo ao princípio da separação de poderes (“Art. 2º. São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”; Art. 60 (…) § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (…) III – a separação dos Poderes;”) e ao próprio Estado Democrático de Direito em que se constitui a República Federativa do Brasil (Art. 1º)”.[1]

 

Ocorre que a mesma Constituição dota o Congresso Nacional de mecanismos com os quais coibir o abuso do Presidente da República – quem quer que o seja – na edição de medidas provisórias que não preenchem os pressupostos constitucionais de urgência e relevância. Foi assim, aliás, que concluí o texto mencionado, rogando ao Congresso Nacional que, afirmando-se como Poder realmente independente, passasse a “adotar a prática já admitida pela Constituição de rejeitar de imediato, sem apreciação do mérito, as medidas provisórias que não preencham os pressupostos constitucionais da urgência e relevância!”. Com efeito, dispõe o § 5° do Art. 62: “A deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional sobre o mérito das medidas provisórias dependerá de juízo prévio sobre o atendimento de seus pressupostos constitucionais”.

 

Não foi esse o comportamento ora realizado. O Presidente do Congresso Nacional, a pretexto de coibir o abuso do Presidente da República, comete abuso semelhante, sentindo-se em condições de tomar atitudes em substituição a todo o Poder Legislativo, como se ele, Presidente do Congresso, pudesse atuar, sozinho, em nome das duas Casas Legislativas (Câmara dos Deputados e Senado Federal). E, ainda mais, toma como fundamento de seu atuar norma do Regimento Interno do Senado Federal, como se normas regimentais pudessem se sobrepor às normas constitucionais.

 

Se o Presidente do Senado Federal entende – como eu também entendo – que a MP n° 446/2008 não preenche os pressupostos constitucionais para a sua edição pelo Presidente da República, deve trabalhar para convencer os seus colegas Senadores, quando da deliberação sobre a mesma no Plenário do Senado, a votar pela sua rejeição preliminar, sem emitir juízo de mérito, tudo de acordo com o que preceitua o citado dispositivo do § 5° do Art. 62 da Constituição Federal.

 

Em suma, não é com erro próprio que se corrige erro alheio. Não é com abuso de poder que se corrige abuso de poder.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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