Um dos grandes debates que agita a política sergipana é, sem dúvida, a anunciada Reforma Administrativa proposta pelo Governo João Alves Filho. Quando começou, a especulação sobre o que seria apresentado era o tema que mais atraia na discussão, talvez somente competindo com a expectativa provocada pelo julgamento do híbrido Paco-Apolo, personagem interpretado pelo ator Reynaldo Gianecchini, na novela global “Da Cor do Pecado”. E não é para menos a comparação, pois, nos dois casos, os autores dos scripts, como especialistas que são, têm em comum o gosto pelo suspense e, com maestria, disfarçam e decidem os finais das novelas na forma e momento que acham melhor.
Basta observar que no “Caso Paco-Apolo” o telespectador somente ficou sabendo da condenação do protagonista na exata hora em que planejou o autor João Emanuel Carneiro, aumentando os já avantajados índices de audiência da Rede Globo. Da mesma forma, no “Caso Reforma Administrativa”, o público interessado apenas conheceu do seu conteúdo quando o projeto chegou na Assembléia Legislativa, como ordenado pelo Governador, embora não se saiba ainda concretamente o que foi proposto. E como no texto da novela global, o do executivo estadual deverá ser aprovado e exibido na TV da Assembléia Legislativa sem qualquer corte ou censura pela maioria dos deputados estaduais.
É que o parlamento brasileiro, independentemente da sua localização, nutre o péssimo e cômodo hábito de se tornar um mero telespectador das ações, enredos e tramas escritos pelos membros do executivo. Não costuma alterar, emendar, censurar ou acrescer novos elementos que possam tornar a novela da vida legislativa mais emocionante, engajada ou sintonizada com a vontade de quem o elegeu. Limitam-se apenas a debater o conteúdo do que fora exposto, contentando-se a palpitar apaixonadamente sobre os capítulos exibidos, pois antecipadamente sabem que o final será aquele autorizado pelo autor original, mesmo que discordem da alegação de que os personagens viverão felizes para sempre.
Exatamente por isso é que quando assisto a um debate travado em uma das casas do legislativo, estadual ou federal, tenho a sensação de que os diálogos interpretados pertencem a enredos diferentes, ainda quando as cenas pertençam ao mesmo capítulo exibido. É interessante como os personagens, situação e oposição, não conseguem se comunicar entre si, embora falem a mesma língua e tratem do mesmo assunto. Aliás, o exótico diálogo parlamentar me faz lembrar de um outro debate que eu adorava presenciar, ainda hoje guardado com carinho em minha novela particular.
Lembro-me de quando ainda morava em Propriá, mais especificamente da época em que gostava de dormir na casa de minha inesquecível “Vó Mariana”. Lá, além do aconchego, cuidava de lhe fazer companhia, o que aumentava a minha auto-estima de menino, pois diziam que a minha função era cuidar da casa e da avó. Mas, confesso, eu tinha um atrativo extra, certamente o mais emocionante e criativo.
É que, todas as noites, minha avó recebia a visita de suas velhas amigas, especialmente de duas que eram religiosamente pontuais. Embora morassem em ruas distintas, as duas chegavam juntas e saiam também no mesmo horário, ritual que era rigorosamente por elas observados. Diziam, sempre, que assim faziam para evitar que uma falasse mal da outra, mesmo porque falar era a especialidade delas.
Elas, como únicas donas do pedaço, falavam a noite toda, não sobrando espaço para palpite ou intervenção de terceiros, mesmo porque eram tão rápidas na arte de falar que não se compreendia muito bem o que propriamente falavam. Depois descobri, aumentando o meu deleite, que as duas não se comunicavam porque cada uma falava, simultaneamente, assuntos completamente diferentes. Era o que compreendi como sendo um verdadeiro monólogo conversado por duas pessoas, cada uma cuidado de interpretar o seu próprio papel.
A diferença entre o monólogo da minha infância e aquele falado pelos parlamentares é bastante óbvia, mesmo porque o papo diário das boas velhinhas era inofensivo, interminável, e sempre tinha uma charmosa continuidade nas cenas dos próximos capítulos. Já na novela parlamentar, o dialogo é de uma monotonia apavorante, pois tão-somente se escuta o monólogo decorado pelos personagens da situação, sendo encerrado com aprovação do script apresentado pelo governante, encerrando qualquer discussão sobre a matéria. E assim certamente ocorrerá no Caso da Reforma Administrativa, pois os telespectadores apostam que será aprovada por maioria, mesmo que não lida por alguns personagens, ainda que se aponte erro, inconstitucionalidade ou injustiça, mesmo porque lá impera o monopólio da fala governamental.
*Cezar Britto é advogado, conselheiro Federal da OAB e presidente da Sociedade Semear. cezarbritto@infonet.com.br