O Brasil ficou estarrecido com o comportamento do subprocurador-geral da República José Roberto Santoro, até então apontado como servidor público exemplar e respeitado por sua seriedade. Ao contrário do que se esperava dele, uma gravação revelava que confundia a sua importante função pública com uma mesquinha ação política-partidária. Flagrou-se o alto representante do Ministério Público Federal, confessando, na calada da noite e em companhia de um confesso bicheiro, o seu desejo em derrubar o Governo Lula, desmoralizando o Ministro José Dirceu. Embora ainda não concluída a sindicância administrativa instaurada para apurar a responsabilidade do subprocurador, parece impossível negar ou invalidar a confissão do seu interesse político-partidário na questão. É que, como se comprovou mais tarde, mantém ele uma estreita relação de confiança com José Serra, atual Presidente do PSDB. Já na época das eleições presidenciais, especulava-se que o confesso subprocurador seria o nomeado pelo PSDB, se vencedor fosse, para o ocupar exatamente o mais alto cargo de chefia do Ministério Público Federal. Não coincidentemente, foi o Senador Antero Paes de Barros, também líder do PSDB, quem primeiro se derramou alegremente nas águas sujas gravadas em vídeo pelo bicheiro Cachoeira. O Senador do PSDB foi quem misteriosamente recebeu o comprometedor vídeo gravado pelo famoso bicheiro, remetendo-o, segundo havia dito, para o subprocurador Santoro. E por ter sido o primeiro a revelar o escândalo, o Senador do PSDB se tornou o principal nadador da equipe política que almeja conquistar o Troféu da CPI do Caso Waldomiro Diniz. Evidentemente tais descobertas não poderiam deixar de repercutir no cenário político nacional, mesmo porque relacionado com o destrutivo furação que quase fulminou o poderoso Ministro José Dirceu. E o troco não tardou vir a galope, até porque a tropa do governo ganhou um novo ânimo, passando a demonstrar que o Governo Lula estava sendo vítima de uma bem articulada tramóia política. Embora o “escândalo da fita” não tenha a força de absolver o “escândalo do vídeo”, ao menos serviu para equilibrar o jogo político, colocando alguns pontos nos seus devidos lugares. O grave é que a reação não parou por aí, de logo surgindo vozes importantes querendo ressuscitar a famosa “Lei da Mordaça”, aquela que impede a sociedade de saber e acompanhar o que se está fazendo no combate à corrupção e abuso do poder econômico. Realmente não se pode negar que o pretenso abuso cometido pelo importante membro do próprio Ministério Público contribuiu para alimentar os que defendem a “Lei da Censura Prévia”, especialmente aqueles que já foram seriamente investigados ou são incorrigíveis amantes do patrimônio alheio. Mas um erro jamais pode justificar outro erro, tampouco se pode combater o abuso cometendo novos abusos. A emenda, neste caso, seria pior que o soneto, pois censurar previamente ou amordaçar o Ministério Público é como aplicar uma dose cavalar de antibiótico para curar uma simples gripe. Além do exagero, não tem qualquer finalidade curativa, somente servindo para destruir os anticorpos democráticos postos na Constituição Federal, especialmente quando concedeu ao Ministério Público o relevante papel de “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses socais e individuais indisponíveis”. Desacreditar, amordaçar, enfraquecer o Ministério Público é um grave desserviço ao ideal de Justiça, não podendo contar com o apoio da sociedade. Aliás, grave quanto a “Lei da Mordaça” somente a chamada “Lei da Automordaça”, aquela em que um órgão público se recusa, principalmente por omissão, a cumprir a sua missão institucional. É o que acontece quando o Ministério Público fica refém ou dependente da iniciativa dos cidadãos, esquecendo a legitimidade ordinária e independente que constitucionalmente possui, não investigando as denúncias de apropriação ou abuso no uso da coisa pública. É o mesmo que dizer que o Ministério Público está cometendo uma eutanásia institucional, pois, não ousando buscar a cura, se entrega definitivamente aos que lhe causam a doença. Tão grave quanto a ação do subprocurador Santoro é a ausência de qualquer ação, é o silêncio paralisante diante de denuncias que caberia ao Ministério Público investigar. É o parece, por exemplo, estar a fazer o Ministério Público Estadual diante do recente e contestado concurso público realizado pelo Tribunal de Justiça, mantendo-se no mais completo silêncio. Nunca defendi a “Lei da Mordaça”, tampouco a automordaça, mesmo porque ambas poderão contaminar mortalmente uma das mais importantes instituições do Brasil. * Cezar Britto é advogado, conselheiro Federal da OAB e presidente da Sociedade Semear. cezarbritto@infonet.com.br