O imortal jornalista/advogado Barbosa Lima Sobrinho certa vez escreveu que é preciso tomar muito cuidado com as palavras, pois elas têm várias definições, embora escritas com as mesmas letras. Apontava ele que palavras como ética, democracia, liberdade, globalização, justiça, amor, dentre outras, sofriam interpretações tão distintas que poderiam, simultaneamente, ser recitadas e apaixonadamente defendidas por Gandhi ou por Adolf Hitler. A diferença, segundo ele, estaria no descobrir a coerência e a sinceridade de quem as pronunciava, procurando aí diferenciar o sentido real de cada palavra defendida.
Ele mesmo, para não deixar dúvida, gostava de esclarecer qual o conceito que entendia para cada palavra utilizada, evitando, assim, confundir e ser confundido pelos seus intérpretes. Se ele falava de democracia esclarecia a sua visão da democracia, se a questão era globalização dizia a sua visão de mundo globalizado, e assim sucessivamente. Acho, como ele, que assim deveria ser sempre feito, evitando confusões, várias delas propositais.
Pois bem, mudar se tornou, sem qualquer dúvida, a palavra da moda, aquela em que todos se arvoram na condição de seu defensor, apóstolo ou praticante. Todos dizem que amam e fazem da mudança o seu mais sincero jeito de ser, ou melhor escrevendo, a única razão de ser. E não poderia ser diferente, pois mudar é da essência do próprio homem, a motivação para ter saído das cavernas e descoberto o mundo.
É evidente que a polêmica também fez da mudança um bom prato a ser consumido por todos, ainda que defensores de posições completamente diversas. Hoje, quando se quer fazer alguma contraposição ao que está estabelecido, é politicamente correto dizer que está se defendendo a mudança ou mesmo que se deseja fazer uma renovação no objeto do sonho ou da cobiça. A palavra oposição, que deveria ser a corretamente aplicada, caiu em desuso, talvez porque identificada com o movimento de resistência à ditadura militar. Usá-la não combinaria com o jeito de ser daquelas pessoas que sempre se usufruiriam, inclusive para fins pessoais, da situação que momentaneamente se opõe.
Mas talvez a recusa ao uso da nostálgica expressão tenha como razão de ser o marketing político, pois oposição também é sinônimo de obstáculo, o que não causaria nenhum efeito positivo para o proponente. A melhor estratégia seria, portanto, se tornar também um profeta da mudança, falar a linguagem da moda. Ainda que não se saibam os reais motivos, o certo é que todos, independentemente dos partidos, das convicções pessoais ou das posições ideológicas, falam que querem mudar, reformar ou renovar as práticas ou idéias de seu opositor.
Reconheço que quem não está afeito às coisas da política, ou mesmo ao uso da gramática, fica confuso diante dos exemplos contraditórios apontados como sinônimo de mudança. E neste caso vale a pena ser mais precavido, pois mudar também significa voltar ao tempo perdido, fazer com que o combatido passado se torne de novo um presente recauchutado. É o que se conhece como mudança involutiva, aquela em que se regride às condições críticas do passado, ressuscitando crises ou teses já superadas pelo tempo.
E neste campo os brasileiros, especialmente os servidores públicos, sabem o que significa mudança involutiva, até porque ela tem o sabor da perda de direitos constitucionalmente adquiridos. Eis porque se torna atual a lição do velho e querido Barbosa Lima Sobrinho, pois se quisermos que a mudança prometida não seja para pior, devemos procurar analisar a vida e a obra de seu proponente. O discurso e a palavra, neste caso, se tornariam irrelevantes, como são irrelevantes as promessas de quem já sabemos que não têm condições de cumpri-las.
Confesso que estou me tornando um adepto da vida e a da história do proponente de uma proposta. Se ele faz de sua vida uma eterna luta para que o mundo evolua e que, com ele mudado, todos possam também crescer, estou junto na sua proposta de mudança, ainda que ela eventualmente não ocorra. Mas se o viver do proponente é o da exclusão, sequer perco tempo discutindo a sua proposta, pois, neste caso, a involução será uma certeza, o que não combinaria com o meu conceito de mudança.
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(*) Cezar Brito é advogado, conselheiro Federal da OAB e presidente da Sociedade Semear.
cezarbritto@infonet.com.br