Mudar para permanecer enganado.

Há um mote repetido, às vésperas de eleição: “Mudam as peças, mas o reisado é o mesmo”. Direi em acréscimo que permanecem, sobretudo, as práticas condenáveis de corrupção eleitoral.

 

Estamos às vésperas de uma eleição. O que mudou? A indiferença e a desesperança substituíram a militância maniqueísta e a arrogância salvacionista?

 

Por onde andam aqueles da minha juventude que maldiziam o Brasil terceiro-mundista, perdido em sonhos extravagantes de estado provedor em desabrida eficiência na ação e equitativa distribuição da provisão? Onde estão os que demonizavam os quatro séculos de inação e indiferença fomentando a pobreza e a miséria? Onde estão os que falavam em oligarquias, em partido do boi, da terra e do escambo?

 

No tempo do império o político pernambucano Holanda Cavalcanti afirmava dos liberais e conservadores: “Nada mais parecido com um Saquarema que um Luzia no poder”, assertiva que se seguia como escólio e complemento: “Nada mais Luzia que um Saquarema na oposição”

 

Luzias eram os liberais moderados, em alusão à Revolta Liberal mineira de 1842, sufocada por Luiz Alves de Lima e Silva, então Barão de Caxias, na Vila de Luzia no Rio das Velhas em Minas Gerais. Saquaremas eram os conservadores, porque um de seus chefes, o Visconde de Itaboraí tinha suas terras em Saquarema no Rio de Janeiro. Saquaremas e Luzias constituíam o bipartidarismo imperial.

 

Depois o império caiu sem defensores. Há quem diga que o imperador e sua filha se fizeram mais reformistas que a circundância na maneira como via a escravatura negra. E como a ambiência, bem e melhor, amava a negra servidão, eis a dinastia banida numa quartelada, com desfile de tropa e cavalhada, com o povo aplaudindo a banda tocar os mesmos acordes e dobrados.

 

Desdobrado estava o antigo regime numa República, o povo assumindo o poder, porque dele, do povo, emana todo o poder. Que povo? O mesmo! A grande maioria submergindo, e outros flutuando na nata espumosa do turbilhonar convulsivo das massas.

 

Dir-se-á como Joaquim Nabuco que: “A fatalidade das revoluções é que sem os exaltados é impossível fazê-las, e com eles é impossível governar”. Uma conclusão do tipo: “As revoluções, como Saturno, digerem seus filhos”.  

 

Dir-se-á também como Tancredi o jovem aristocrata traçado por Tomaso de Lampedusa, no seu lúcido “O Leopardo” (Il Gattopardo); descrevendo os receios da nobreza siciliana decadente frente às hordas de Giuseppe Garibaldi: “Se não estivermos lá, eles fazem uma república. Se queremos que tudo fique como está, é preciso que tudo mude”.

 

E assim eis Giuseppe Garibaldi digerido, consumido e permanecido como uma estátua eqüestre enferrujada e esquecida, porque os carcomidos ressurgem rápido em metamorfose de crisálida.

 

Foi assim com os liderados por Olímpio Campos no arborescer da República em Sergipe. Depois com as insurgências tenentistas de Maynard Gomes e outros partícipes em muitas “repúblicas” constituídas e violadas por Getúlio Vargas, de 1930 a 1945.

 

Continuidade que permaneceu na chamada República Populista, (1945-1964), agitada em muitos sonhos e discursos de pessedistas e udenistas; Caras Pretas liderados por Leandro Maciel e Rabos Brancos seguindo Leite Neto. Tempo em que se perseguiam uns aos outros, ambos com discursos anticomunistas e cortejadores dos quartéis como salvadores da pátria.

 

Prosseguimento que fez a tropa ir para a rua, deitar e rolar, e cassar, e perseguir, torturar, e cometer excessos, a ponto de se envergonhar das mesmas ruas que a quiseram e aplaudiram, retornando à caserna pela porta dos fundos, fugindo do Palácio do Planalto; quase vaiada, achando que nada fez de bem, só o mal. O que não é verdade, mas que restou assim, por incapacidade de descontinuar o que degrada a firmeza e amortece a vontade.

 

Porque os pregadores da ruptura, das mudanças verdadeiras, como o tribuno Fausto Cardoso, o operário Anísio Dário, e outros menos citados e mais olvidados em terras serigys, foram passados à bala como Edson Luis no Restaurante Calabouço, construindo a liberdade como o seu sangue generoso, rotineiramente apagado e esquecido pelo cimento, pelo tempo e pela indiferença do porvir. Sobrando no mesmo porvir os que mudam para que tudo permaneça.

 

E tudo continua igual no cenário presente com os partidos republicanos cedendo aos democráticos, os socialistas aos comunistas, passando pelos sindicalistas, trabalhistas, um amontoado de sigla, algumas com nomes anódinos, todos se alinhando ou se engalfinhando, posando em cor amena, berrante ou como pássaro e flor sem amargor. E a saúde; terrível! A educação; pior! A segurança; desacreditada! O funcionalismo público; feliz da vida, porque já não receia ser mais infeliz! Sem falar que na campanha todos pregam a fragmentação fundiária, a garantia de pleno emprego aliado à ampla redução tributária; temas que leva ao poder, porque insinua a fuga da realidade em demanda à fantasia.

 

E o partido atual no poder vai ganhar a eleição em lambida de “cabo a rabo”, passando até pelos bagos; os penduricalhos e pendentes.

 

Vai eleger a Presidenta, reeleger o Governador, fazer os dois Senadores e, pela estimativa de bandeiras, carros alegóricos, andores e cabos eleitorais, vai ser uma acabação generalizada da oposição, tanto na Câmara Federal como na Assembléia Legislativa.

 

Só que o partido que está no poder não é mais aquele preconceituoso e deletério ajuntamento de barbudos que se fingiam rotos e maltrapilhos. Que pareciam provir da ralé, reconhecidos que eram à distância, só pelo cheiro de chulé, bem cultivado e exibido, ao lado do discurso raivoso em pregação de insubordinação, de greve, em passeata hostil, aplaudindo até quebra-quebra de ônibus, e se decantando como imiscível à corrupção e à caterva política que combatia.

 

Não! Hoje o partido do poder é o partido da Ordem. E como partido da Ordem, não mais cheira a chulé. Aburguesou-se, tomou gosto por finuras e suas unhas não exibem nem calosidade obreira, nem a sujeira honesta de quem ara, planta ou rascunha. Também não mais revela a rapacidade selvagem de outrora em garras de hiena. Pelo contrário! As suas unhas estão polidas e esmaltadas.

 

Etiquetou-se, enobreceu-se! Há até no seu cenário degustadores de papas e mingaus, verdadeiros connaisseurs e connoisseurs de destilados e fermentados.

 

E vai vencer a eleição porque virou melhor conhecedor do uso da máquina pública em seu favor.

 

Passou o tempo de pobreza ou fingimento. Hoje não há pejo em exibir gasto imoderado em bandeiras, carros de som e carreatas movidas a gasolinas baratas. E ainda nos querem fiscalizando a compra de voto.

 

Há! Não se esqueça de levar o seu título eleitoral com documento fotográfico, se for viajar. “A toalha, o título eleitoral e a carteira com fotografia”. Grita a mulher felicíssima com a vagem do marido no comercial da TV. Uma propaganda tão tola se não prevalecesse outra intenção em chamado de Renatão.

 

Se o que se vê é melhoria de costumes e procedimentos, mudamos para continuar enganados?

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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