MUSIQUALIDADE

R E S E N H A     1

 

Cantores: VINICIUS DE MORAES, CLARA NUNES e TOQUINHO

CD: “POETA, MOÇA e VIOLÃO”

Gravadora: BISCOITO FINO

 

A mineira Clara Nunes é, até hoje, uma das vozes mais bonitas surgidas no cenário da nossa música popular. Não tivesse saído de cena de forma precoce por conta de complicações decorrentes de uma operação de varizes, certamente estaria ajudando a consolidar a nova geração do samba, ritmo que abraçou como porta-voz, após um início de carreira um tanto quanto indefinido.

O carioca Vinicius de Moraes despertou para a veia artística através da poesia e, em seguida, aprovado em concurso para o Itamaraty, voltou-se para a carreira diplomática. Mas o assumido pendor para a boemia, impulsionado pelo incansável amor às mulheres, não tardou em aproximá-lo da música e foi aí que ele alcançou o reconhecimento maior, vindo a se tornar parceiro dos maiores nomes do nosso cancioneiro, como Tom Jobim, Baden Powell, Edu Lobo, Pixinguinha e Carlos Lyra. 

O paulista Toquinho começou a tocar violão ainda na infância, estudando com professores consagrados tanto de clássico quanto de popular. Após um período acompanhando Chico Buarque em apresentações na Itália e de despontar para o sucesso com a canção “Que Maravilha”, ao lado de Jorge Ben Jor, iniciou, na década de setenta, profícua parceria com Vinicius, tendo com este realizado diversos shows e criado canções que já se firmaram no inconsciente coletivo.

O encontro desses três grandes artistas deu-se em 1973, anos antes do estouro nacional de Clara, em espetáculos realizados no Rio de Janeiro (Boate Sucata) e na Bahia (Teatro Castro Alves). Fitas cassetes antigas que registraram esse período foram encontradas em gavetas empoeiradas pelo marido de Clara, o letrista Paulo César Pinheiro, e disponibilizadas ao produtor José Milton, o que fez com que trinta e cinco anos depois surgisse o CD “Poeta, Moça e Violão”, o qual acaba de chegar às lojas através da gravadora Biscoito Fino.

Trata-se de um vigoroso trabalho de recuperação levado a cabo pelo Estúdio Visom Digital que, utilizando-se de todas as técnicas disponíveis, traz para as gerações atuais um momento histórico da nossa MPB. Clara mostra-se em plena efervescência artística. Dona de voz poderosa e afinadíssima, encontrava-se com uma vontade imensa de mostrar serviço, não obstante fique claro que o show foi montado em cima de Vinicius. É ele quem abre o disco declamando a bela “Poética” e nas parcerias apresentadas com Toquinho (“Cotidiano nº 2”, “Regra Três” e “Como Dizia o Poeta”), já à época um mestre em seu instrumento, o Poetinha deita e rola. A Toquinho resta o papel de coadjuvante, cabendo-lhe a voz solo apenas na inspirada “Na Boca da Noite” (parceria dele com Paulo Vanzolini). Clara também tem lá seus grandes momentos. Alguns deles ficam por conta das complexas “Serenata do Adeus”, “Lamento” e “Rancho das Namoradas”. Há – claro! – as grandes parcerias de Vinicius com Tom (“Garota de Ipanema”, “A Felicidade” e “Se Todos Fossem Iguais a Você”) e com Baden (“Samba em Prelúdio”, “Berimbau” e “Canto de Ossanha”), mas algumas canções menos conhecidas também merecem destaque, como “Quando a Noite me Entende” e “Veja Você”, além da obra-prima “Poema dos Olhos da Amada” (musicado por Paulo Soledade).

Um ótimo lançamento que vem em muito boa hora!

 

 

R E S E N H A     2

 

Cantora: MART’NÁLIA

CD: “MADRUGADA”

Gravadora: BISCOITO FINO

 

Mart’nália é intérprete de espontaneidade ímpar. No palco, então, para quem já teve o privilégio de assisti-la, isso se torna inquestionável. Depois do solar “Menino do Rio”, bom álbum de estúdio produzido por Maria Bethânia, mas que aprisionou um pouco a sambista filha de Martinho da Vila, acaba de chegar às lojas, através da gravadora Biscoito Fino, o seu novo CD.

Intitulado “Madrugada” e produzido pelos competentes Arthur Maia e Celso Fonseca, o disco mostra uma Mart’nália mais à vontade, embora ainda não seja o grande trabalho que – a gente sabe – a artista tem condições de presentear o seu público. No entanto, mostram-se salutares tanto a não acomodação da cantora (que, num mercado praticamente saturado, vem lançando um trabalho após o outro, o que comprova a sua elogiável inquietude) quanto a corajosa opção de abrir cada vez mais o leque de compositores gravados, registrando, inclusive, escolhas nada óbvias.

Neste contexto, surgem as regravações de duas belas canções (“Alívio”, de Djavan e Arthur Maia, e “Sai Dessa”, de Nathan Marques e Ana Terra) que não fizeram o merecido sucesso quando lançadas anteriormente pelos seus intérpretes originais, o próprio Djavan e a insuperável Elis Regina. Mart’nália, esperta, consegue suavizá-las sem, contudo, fazer com que se esmaeçam suas balançadas bases originais.

Dona de uma voz pra lá de gostosa que se caracteriza por uma rouquidão particular (um charme a mais) e uma divisão rítmica perfeita (um dom a mais), Mart’nália também se mostra, ao lado de parceiros, uma compositora interessante. No CD ora em análise, ela apresenta mais uma agradável canção feita ao lado de Mombaça (“Tava Por Aí”), além das razoáveis “Deu Ruim” e “Angola” (compostas com o já citado Arthur Maia).

Da lavra alheia, a cantora soube pinçar pérola do samba tradicional (“Batendo a Porta”, de João Nogueira e Paulo César Pinheiro) e boa criação de compositor pouco conhecido (“Não Encontro Quem Me Queira”, de Thiago Mocotó, irmão de Gabriel, o Pensador). Já da safra mais recente, incluiu dois dos melhores momentos do disco: “Ela É Minha Cara”, de Celso Fonseca e Ronaldo Bastos, e “Sem Dizer Adeus”, de Moska.

Apresentado sob a moldura de “sambacharme” (seja lá o que isso efetivamente queira dizer – certamente apenas mais um rótulo tolo), este novo álbum mostra uma sambista fazendo música do jeito que gosta e sabe. Segura, conhece o terreno onde pisa, até mesmo quando inclui no repertório a insuspeita “Don’t Worry, Be Happy!” (de Bobby Mcferrin). Completam o set list a otimista “Fé” (inédita de Jorge Agrião e Evandro Lima), a quase canção de ninar “Tom Maior” (bela criação do paizão da artista) e a sazonal “Alegre Menina” (de Dori Caymmi e Jorge Amado, que conta com a participação especial de Luiza Possi nos vocais).

Mart’nália segue, sedimentando uma carreira que a coloca como uma das grandes intérpretes da nossa MPB atual. Que ela pode mais, pode! Mas o que ora apresenta já se faz de bom tamanho…

 

 

N O V I D A D E S

 

·                     A cantora Paula Lima estará realizando show na próxima quinta-feira, na Casa das Caldeiras (SP), o qual servirá de base para o que virá a ser o seu primeiro DVD. Intitulado “SambaChic”, o roteiro trará canções assinadas por Seu Jorge, Eugênio Dale e Sidney Müller, entre outros. O projeto (que inclui o lançamento de CD homônimo) estará disponível até o final deste ano.

 

·                     Afora as canções dispostas em locais trocados que os indicadas na seqüência das letras, o maior engano de “O Melhor Lugar”, o CD de estréia da cantora Raquel Becker, é mesmo a irregularidade no tocante às canções que fazem parte do repertório. Raquel, enquanto cantora, possui incontestável talento. Sua voz é agradável e ela possui uma divisão bem legal para o tipo de música a que se propõe fazer: o chamado pop rock. A questão é que, da dúzia de faixas que compõem o álbum, sete delas são de sua própria autoria ao lado de parceiros. Nesses momentos, o trabalho vai para baixo, pois a artista de fato torna-se infeliz quando tenta mostrar o seu lado autoral. Não é à toa, portanto, que os melhores momentos ficam por conta das duas canções assinadas por Jorge Vercilo (“Fácil de Entender” e “Ces’t La Vie”, esta ao lado de Jota Maranhão) e de “Antes e Depois”, agradável criação de Leoni e Paulo Sérgio Valle que conta com a participação especial do primeiro nos vocais.

 

·                     Kátia Rocha é ótima cantora capixaba que recentemente pôs no mercado o seu mais novo CD, intitulado “Ginga”. Trata-se de um álbum independente, bem concebido a arranjado, que comprova o esmero que a artista costuma imprimir aos seus trabalhos. Kátia tem voz passante e um timbre bonito e claro. Intérprete segura, soube pinçar boas peças de compositores ainda desconhecidos (“Casamata”, de Nano Vianna e Pedro Costa, “Fez Que Não Me Viu”, de Ricco Duarte, e “Chuchu Beleza”, de Etti Paganucci, por exemplo) e revestir com roupagens inteligentes as antigas “Flor de Maracujá” (de João Donato e Lysias Ênio) e “Gentileza” (de Gonzaguinha) e as recentes “Samba a Dois” (de Marcelo Camelo) e “Onde Anda a Onda” (de Moska). Boa pedida!

 

·                     Utilizando-se do formato econômico do SMD (Semi Metalic Disc), que é vendido a R$ 5,00, Zeca Baleiro acaba de pôr no mercado, através de seu selo (“Saravá Discos”), o CD “Geraldas e Avencas”, que vem a ser a trilha sonora que compôs para o 14º espetáculo do Grupo de Dança Primeiro Ato de Belo Horizonte (MG). Composto por quatorze faixas, o trabalho traz vários temas instrumentais (que têm os seus melhores momentos com a ambiência eletrônica de “Desfile”, o suingue brasileiro de “Dez Passos” e as tintas flamencas de “Por um Fio”) e algumas músicas letradas (as boas “Turbinada”, “Xote do Edifício”, “Quem Não Samba, Chora” e “Flor no Quintal”).

 

·                     Em comemoração às seis décadas de vida de Toninho Horta, a gravadora Universal acabou de pôr no mercado a reedição do primeiro álbum do artista, gravado entre 1976 e 1979 no Brasil e nos Estados Unidos, intitulado “Terra dos Pássaros”. Entre os convidados estão nomes como Milton Nascimento, Wagner Tiso e Airto Moreira.

 

·                     A gravadora Biscoito Fino promete para o próximo mês de setembro o lançamento do DVD que imortalizará o show que reuniu as cantoras Maria Bethânia e Omara Portuondo, o qual teve como objetivo traçar um paralelo entre os cancioneiros brasileiro e cubano. O registro se deu em apresentação realizada no Palácio das Artes em Belo Horizonte (MG) e o repertório contém várias canções além daquelas contidas no CD de estúdio que deu origem ao espetáculo.

 

 

RUBENS LISBOA é compositor e cantor


Quaisquer críticas e/ou sugestões serão bem-vindas e poderão ser enviadas para o e-mail: rubens@infonet.com.br

 

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