Musiqualidade

 

Simone é baiana de Salvador e quando, aos dezesseis anos, se mudou para São Paulo foi com o intuito de desenvolver carreira como jogadora de basquete. Mas a filha de um cantor de ópera e de uma pianista não tinha mesmo como fugir do destino musical e, no primeiro teste que fez para uma gravadora, logo assinou contrato. Nas décadas de setenta e oitenta, alcançou o seu auge: não havia de norte a sul do país quem não cantarolasse várias de suas canções, a exemplo de “Jura Secreta”, “Tô Voltando”, “Começar de Novo”, “Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores”, “Alma” e “Um Desejo Só Não Basta”.

No entanto, a intérprete longilínea de voz grave e potente enveredou, nos anos seguintes e de forma equivocada, por um caminho de forte apelo comercial, chegando a gravar canções descartáveis e discos pouco condizentes com o rigor estilístico que até então vinha mantendo. Como, neste planetinha, tudo é regido pela lei da ação e reação, por conta dessas escolhas ela amargou um período de poucas colheitas, só começando a esboçar de fato uma reação a partir de 2000, ano em que lançou o bom álbum “Seda Pura”.

Depois de um vitorioso projeto que a fez percorrer parte do Brasil ao lado de Zélia Duncan (o show “Amigo É Casa”), Simone volta agora com força ao mercado fonográfico com o lançamento de “Na Veia”, um trabalho que leva a assinatura de Rodolfo Stroeter na produção e acaba de chegar às lojas através da gravadora Biscoito Fino.

Ainda envolto pela repercussão de um atrito com Chico Buarque – o ótimo samba “Sou Eu”, segunda parceria dele com Ivan Lins havia sido prometido a Simone, mas na última hora terminou indo parar nas mãos de Diogo Nogueira – o álbum configura-se interessante e coeso ao longo de suas doze faixas (oito delas inéditas, o que já denota o louvável desejo de se reciclar). Dentre estas, figuram duas canções assinadas por Adriana Calcanhotto (“Certas Noites”, ao lado de Dé Palmeira, a melhor do disco, e “Definição da Moça”, sobre poema de Ferreira Gullar, a mais fraquinha de todas) e outras duas de autoria de Erasmo Carlos (a envolvente “Migalhas” e “Hóstia”, parceria com Marcos Valle, prejudicada pelo arranjo que terminou por amarrar a música e a intérprete).

Simone continua em ótima forma vocal e é dessas cantoras que entende o que canta. Sua emissão é corretíssima e ela sabe dosar os sentimentos que cada faixa exige (coisa que vem se rareando na nossa MPB atual). Isso fica claro, entre outros momentos, ao se ouvir a delicada balada “Bem Pra Você” (outra de Dé Palmeira, agora composta ao lado de Marina Lima) e o mediano blues “Pagando Pra Ver” (de Abel Silva e Nonato Luís). Sempre à vontade na praia do samba, Simone ganhou de Martinho da Vila a contagiante “Na Minha Veia” (criada com Zé Catimba) e conferiu novas tintas à envolvente “Ame” (de Paulinho da Viola e Elton Medeiros). As outras regravações são “Geraldinos e Arquibaldos” (de Gonzaguinha), um dos grandes destaques do disco, a suingante “Love” (do ainda pouco conhecido compositor paulista Paulo Padilha) e a surrada “Deixa Eu Te Amar” (de Agepê). Completa o repertório uma rara incursão da artista pela seara da composição: “Vale a Pena Tentar”, cujos créditos divide com Hermínio Bello de Carvalho.

A verdade é que Simone tem muito ainda a dar em prol do nosso cancioneiro e isso se torna incontestável quando se ouve a primeira e irretocável metade de seu novo CD. Com tons leves e elegantes, ela (sem a pretensão de se reinventar) construiu um trabalho muito legal que vale a pena ser conhecido por todos.

 

 

R E S E N H A     2

 

Cantora: MARISA ORTH

CD: “ROMANCE VOL. II”

Gravadora: LUA MUSIC

 

Atriz consagrada pela personagem Magda do humorístico “Sai de Baixo”, Marisa Orth sempre fez aflorar com maior frequência sua veia cômica. Tanto isso é verdade que também na área musical ela, de há muito, mergulhou no caminho do riso, tanto que integrou, como vocalista, as extintas bandas Vexame e Luni, referências desse nicho. Paulista, ela se formou pela Escola de Arte Dramática da Universidade de São Paulo e, contratada há anos da Rede Globo, lá vem participando de algumas novelas e programas semanais (como o atual “Toma Lá, Dá Cá”, no qual faz Rita, uma dona de casa histérica e estressada), além de possuir inúmeras participações em filmes e peças de teatro.

Desde o ano passado, no entanto, Marisa resolveu, concomitantemente à carreira de atriz, retornar aos palcos como cantora. Daí, surgiu o show “Romance Vol. II” (frise-se que nunca houve antes o Vol. I), o qual mistura música, texto, improvisação, emoção e humor. É a base musical deste espetáculo que, gravado em estúdio, acaba de chegar às lojas em formato CD através da gravadora Lua Music.

São doze canções resgatadas com graciosidade por Marisa que se mostra uma intérprete bastante interessante. E equivocado estará quem achar que o álbum é uma grande brincadeira. Bem dosado, há, sim, alguns momentos hilários, como “Insanidade Temporária” (de André Abujamra e Flávio de Souza) que relata as supostas atrocidades que uma mulher pode cometer quando é acometida pela TPM, e “The Best”, de Luni, onde o egocentrismo é abordado com picardia, mas a maior parte do disco traz ótimas canções convertidas para o universo teatral da montagem que lhe deu origem sem, contudo, serem as mesmas arrefecidas em suas ideias originais.

A tênue linha que separa a qualidade do que poderia parecer uma algazarra sem maiores conseqüências tem como ponto divisor os belos e inspirados arranjos levados a cabo por uma banda fora do comum, formada por músicos de ponta, a quem coube ainda a produção musical do trabalho (a direção, contudo, é assinada por Natália Barros). De forma que há momentos de fato muito legais, a exemplo dos resgates de “Fruto Proibido” (de Rita Lee), “Amor” (de João Ricardo e João Apolinário, canção pinçada do repertório do grupo Secos & Molhados), “Minha Fama de Mau” (de Roberto e Erasmo Carlos) e “Sofre” (blues obscuro de Tim Maia). Mas nada que supere “Obsessão”, originalmente um belo samba de Mirabeau e Milton de Oliveira transformado com galhardia em um insuspeito rock (um achado!), e “Lama”, de Aylce Chaves e Paulo Marques, faixa na qual se revela incontestável a entrega da intérprete.

Marisa Orth fez de seu CD solo de estreia um produto que consegue sobreviver fora do espetáculo teatral e que tem tudo para obter vida longa. Dela, agora se pode dizer tudo, menos: “Cala a boca, Magda!”

 

 

N O V I D A D E S

 

 

·                     Em um país onde tantas cantoras surgem diuturnamente, algumas com real talento e outras apenas cheias de boas intenções, umas escoradas em padrinhos famosos e outras munidas apenas da cara, coragem e talento, é muito alvissareiro constatar a existência de Anna Gué. A cantora acaba de lançar o CD intitulado “Gatas Extraordinárias” que, a princípio (até pela embalagem tosca) poderia soar como apenas um emaranhado de covers. De fato, o repertório é constituído por canções que se tornaram sucesso nas vozes de Cássia Eller, Marisa Monte, Marina Lima, Rita Lee e outras, mas a artista se arrisca em arranjos super antenados e envolventes, conferindo roupagens bastante pessoais. A base é uma pegada forte onde se misturam elementos do rock, do blues e do jazz, o que, por si só, já é um risco, mas o resultado soa excelente, muito pela voz fora de série de Anna (extensa, afinada e cheia de nuances). Ela assina, como autora, apenas uma das canções, “Na Mesma Medida”, mas já dá para antever que também nessa seara ela é muito boa. Se eu fosse você, correria para ouvi-la!

 

·                     Em avançado estado de gravação, já conta com as participações confirmadas de Beth Carvalho e Diogo Nogueira o CD em que a cantora Selma Reis mergulha na obra de Paulo César Pinheiro. O homenageado também dará o ar da graça.

 

·                     A irmã de Renato Russo, Carmem Manfredini, junta-se ao grupo Tantra (composto por Gian Fabra no baixo, Carlos Trilha no piano e Fred Nascimento no violão e gaita) e acaba de lançar, através de uma parceria entre as gravadora LGK Music e Som Livre, o CD de estreia “O Fim da Infância”. O álbum desce redondinho por conta do som legal que a turma faz: um pop que soa acima da média (melodias bem resolvidas e letras inteligentes). Das doze faixas, dez são de autoria deles próprios (delas surgem como melhores momentos “La Strada”, “Riviera” e “Mar nos Olhos”). As duas restantes ficam por conta das apropriadas releituras de “Virgem” (de Marina Lima e Antônio Cícero) e de “Rocky Racoon” (de John Lennon e Paul McCartney). De razoável extensão, a voz educada de Carmem se destaca pelo timbre límpido e bonito.

 

·                     Jota Maranhão põe nas lojas, de maneira independente, o CD “Virtude”. Um dos parceiros mais constantes de Jorge Vercillo (que, aliás, participa, como convidado especial, na bonita faixa “Filosofia de Amor”, parceria de Jota com Paulo César Pinheiro), o artista se mostra particularmente inspirado em temas como “Das Dores” (composta com Paulo César Feital), “Botequim da Vida”, “Êxtase”, “Delicadeza” e “Asas Cortadas” (as duas últimas criadas ao lado de Vercillo). Também fazem parte do repertório as releituras dos hits “Encontro das Águas” e “Flamboyant” (esta gravada originalmente por Emílio Santiago).

 

·                     Dando um considerável salto de qualidade com relação ao seu CD solo de estreia (“Um Pouco Mais de Calma”, de 2007), Rodrigo Santos, o baixista da banda Barão Vermelho (atualmente em recesso) lançou recentemente, através da gravadora Som Livre, o seu segundo trabalho. Intitulado “O Diário do Homem Invisível” e contando com treze faixas, o álbum mostra, nas letras, um artista inquieto com as mazelas de seu tempo. Há um punhado de convidados especiais que vão de Ney Matogrosso ao pessoal das bandas Autoramas, Canastra e Cidade Negra, entre outros. Rodrigo canta direitinho e compõe com boas doses de inspiração. Entre os melhores momentos estão “Trem-Bala”, “”Você Não Entende o Que é o Amor”, “Não Vá”, “32 Segundos” e “Sete Vidas”.

 

·                     Também via Som Livre acaba de chegar às lojas o primeiro CD de Mariana Rios, a atriz que dá vida à divertida personagem Yasmin da novelinha global “Malhação”. Quinze canções compõem o insosso repertório. A artista assina, como compositora (ao lado de parceiros), a maioria das músicas apresentadas.

 

·                     Lúdica Música é o nome da dupla mineira formada por Isabella Ladeira e Rosana Brito que está lançando CD e DVD intitulados “Diversões Lúdicas ao Vivo… e a Cores!”. Gravado ao vivo em Belo Horizonte (MG), reúne músicas autorais (“Fogaréu”) e canções já bastante conhecidas (“Bandeira do Divino”, de Ivan Lins e Vitor Martins, “Telegrama”, de Zeca Baleiro, e “Seção 32”, de Vander Lee, o qual se faz presente em participação especial).

 

·                     Com intervenções de Jorge Ben Jor, Almir Guineto, Monarco e da Velha Guarda da Portela, chegará em breve às lojas o novo DVD de Zeca Pagodinho, recentemente registrado durante apresentação do sambista na casa Citibank Hall, no Rio de Janeiro. “Se Ela Não Gosta de Mim” é o título da canção inédita presente no repertório, inédita parceria de Zeca com Arlindo Cruz.

 

·                     Enquanto divulga pelo Brasil o seu mais recente CD, Flávio Venturini já se prepara para se reunir com os outros integrantes do 14 Bis. A ideia é gravar um DVD que rememorará antigos sucessos com a formação clássica do grupo.

 

·                     Geraldo Azevedo registrou quatorze canções de sua autoria (dez inéditas e quatro regravações) no projeto “Salve São Francisco”, o qual chegará às lojas ainda este ano nos formatos CD e DVD. Há vários convidados especiais, dentre os quais Maria Bethânia, Djavan, Ivete Sangalo, Alceu Valença e Fernanda Takai.

 

 

RUBENS LISBOA é compositor e cantor


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