MUSIQUALIDADE

M U S I Q U A L I D A D E

 

 

R E S E N H A     1

 

Cantores: JAIR OLIVEIRA & LUCIANA MELLO

CD: “O SAMBA ME CHAMOU”

Gravadora: UNIVERSAL

 

Difícil encontrar um grande artista nacional que não tenha transmitido a algum descendente seu o legado à música. Tal qual acontece com outras profissões (filho de médico abraça a Medicina, de advogado segue o Direito e por aí vai a farta lista…), na área musical parece mesmo que isso se faz com mais frequência. Estão aí pais e filhos famosos que só me comprovam a assertiva: Elis Regina (Maria Rita e Pedro Mariano), Caetano Veloso (Moreno Veloso), Gilberto Gil (Preta Gil), Edu Lobo (Bena Lobo), João Gilberto e Miúcha (Bebel Gilberto), Rita Lee (Beto Lee) e Mario Manga (Mariana Aydar) são somente alguns deles. Filhos do grande intérprete Jair Rodrigues, os também cantores Jair Oliveira e Luciana Mello não fogem à regra, embora seja justo reconhecer que, desde que se lançaram na carreira artística, vêm tentado percorrer caminhos próprios.

Jair, o filho (que, ainda criança, fez parte, ao lado de Simony, da formação original do grupo infantil A Turma do Balão Mágico), começou bem recebido como compositor pela crítica dita especializada. Na verdade, seu talento nessa seara vem sendo aprimorado com o passar dos anos e o que surgiu como promessa hoje já se consubstancializa em potencial. Não é ele dono de uma grande voz e seu timbre por vezes soa anasalado em demasia, mas, herdeiro da simpatia do pai (embora, ao contrário daquele, tímido ao extremo), consegue driblar alguns limites naturais com doses fartas de simplicidade e competência. Já Luciana é, sim, uma grande cantora. No início, lançou alguns discos confusos, tornando-se, à época, um tanto complicado se vislumbrar qual o caminho musical que iria de fato abraçar. Mas a bela negra de porte esguio e dona de voz poderosa e afinada vem mostrando que o seu lance deve ser mesmo a MPB mais tradicional, terreno onde o irmão também sabe fazer valer.

Foi nesse sentido que eles resolveram se unir e, em fevereiro do ano passado, no Auditório Ibirapuera, em São Paulo, realizaram um show memorável, o qual, devidamente registrado, se transformou no projeto que ora chega às lojas nos formatos CD e DVD. A base do repertório é o samba, ritmo que ambos se acostumaram a ouvir desde a mais tenra infância, posto que o responsável pelos maiores sucessos de Jair Rodrigues.

Ancorados por músicos de ponta, os dois artistas realizaram um trabalho bem bacana que tem tudo para alavancar suas carreiras. Espertos, souberam aliar canções que já residem no inconsciente coletivo nacional, como é o caso de “Coração Leviano” (de Paulinho da Viola) e “Gente Humilde” (de Vinicius de Moraes, Chico Buarque e Garoto), com outras resgatadas com esmero do esquecido baú da década de setenta, a exemplo de “Orgulho de um Sambista” (de Gilson de Souza, a qual conta com a participação especial do cantor e também ator Cláudio Lins, ele também rebento de dois nomes conhecidos: Ivan Lins e Lucinha Lins) e “Esperanças Perdidas” (de Nélson Custódio e Davi Moreira, um dos grandes hits do grupo Os Originais do Samba).

Luciana mostra uma graciosidade toda própria no medley que reúne o dengo de “Requebre Que Eu Dou um Doce” com a cadência de “Rosa Morena”, ambas pérolas pinçadas do cancioneiro de Dorival Caymmi, e comprova ser uma cantora de responsa quando mergulha com segurança em “Rosa”, belo tema de complexa tessitura melódica criado por Pixinguinha. Jairzinho, por sua vez, aproveita para encaixar três boas canções de sua autoria no repertório do CD, o qual se faz composto por quatorze faixas. São elas a contagiante canção-título (de fato uma de suas melhores criações até agora), “A Vida em Sonho” (em que a cantora Anna Ratto surge como convidada especial) e “Samba da Doca” (uma insuspeita parceria com Seu Jorge). Completam o time de convidados Mariene de Castro e Skowa (em “A Nível de…”, de João Bosco de Aldir Blanc) e o paizão Jair (em “Alguém Me Avisou”, de Dona Ivone Lara).

Enxuto e sem excessos, trata-se de um produto bem legal e que, portanto, deve fazer parte de toda cedeteca que se preze.     

 

R E S E N H A     2

 

Cantora: ANTONIA ADNET

CD: “DISCRETA”

Gravadora: BISCOITO FINO

 

Quando, em 2003, a cantora Roberta Sá pesquisava o repertório para “Braseiro”, seu primeiro disco oficial, o produtor Rodrigo Campello sugeriu que ela procurasse o compositor e arranjador Mario Adnet para ajudá-la na empreitada. Foi através dele que Roberta terminou conhecendo a extensa família Adnet, toda ela ligada à área da música. Com o aludido álbum lançado, Rodrigo avisou que precisaria de um substituto para seguir com Roberta na estrada, caso ele não pudesse comparecer a algum show.  Foi aí que, com apenas um ensaio, Antonia Adnet se integrou à banda que até hoje acompanha Roberta.

Antonia é desses casos em que já se nasce artista. Desde muito cedo, ela começou a frequentar os palcos da vida, sempre munida de seu violão, instrumento que domina com maestria. Calma e dona de uma beleza que exala grande suavidade, ela acaba de lançar, através da gravadora Biscoito Fino, o seu primeiro CD intitulado “Discreta”, no qual, além de produtora (ao lado de Mario, seu pai), ela também se faz responsável por alguns arranjos, além de mostrar seu talento inato como violonista e de cantar.

É, é isso mesmo! Não se trata de um trabalho instrumental como alguns poderiam supor. Composto por uma dúzia de faixas, apenas três delas pertencem a esse nicho (“Vitrine”, do maestro Moacir Santos, “Primeiro Choro” e “Tema de Outono”, ambas assinadas por Antonia). As demais são composições nas quais a artista mostra sua bela e afinada voz, denotando uma segurança rara para quem até então apenas acompanhava outros intérpretes.

O resultado soa gracioso muito pelo timbre vocal de Antonia, mas também pelos arranjos delicados que conferem um clima cool ao álbum. E ela se mostra ainda uma boa compositora, como se pode comprovar, por exemplo, através da faixa-título, uma inspirada parceria com João Cavalcanti, um dos integrantes do grupo Casuarina e filho de Lenine. Contando com a participação especial da “madrinha” Roberta Sá, essa canção se transforma em um dos pontos altos do disco. João, por sua vez, comparece nos vocais de “Quero um Chamego”, composição simples mas competente da dupla Dominguinhos e Anastácia. O terceiro convidado é o primo e conhecido humorista da MTV Marcelo Adnet (na faixa “Pessoas Incríveis”, de Mario e Bernardo Vilhena). Os melhores momentos, no entanto, ficam por conta da deliciosa “Carnavalzinho” (outra de Mario, desta feita em parceria com Lisa Ono) e da sensível “Salineiras” (do baixista Pedro Mangia).

Um CD bem legal que apresenta Antonia Adnet como cantora para o grande público e que vale super a pena ser conhecido!

 

 

N O V I D A D E S

 

 

·                     A cantora Karina Buhr, nascida na Bahia, criada em Pernambuco e atualmente morando em São Paulo, é uma das integrantes do grupo Comadre Fulozinha e acaba de lançar, de maneira independente, o seu primeiro CD solo intitulado “Eu Minto Pra Você”. Com um sotaque nordestino exageradamente carregado e dona de uma voz doce que, se não chega a arrebatar, não compromete o trabalho, a também compositora apresenta um álbum eminentemente inédito e autoral que traz, além de reminiscências folclóricas, mergulhos em gêneros como o pop, o reggae, o funk e o dub. Dentre os melhores momentos estão as faixas “O Pé”, “Ciranda do Incentivo” e “Mira Ira”.

 

·                     Natural de Cachoeiro do Itapemirim (ES), assim como Roberto Carlos, o cantor e compositor Sérgio Sampaio, diferentemente do Rei, emplacou, em sua curta carreira musical (interrompida por uma pancreatite em maio de 1994, aos 47 anos) um único grande sucesso (a marcha-rancho “Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua”, concorrente do Festival Internacional da Canção de 1972), porém criou várias grandes canções, até hoje pouco conhecidas pelo público em geral. Em mais uma tentativa de mostrar às novas gerações o trabalho do artista, que foi inserido na história do nosso cancioneiro como um dos “malditos da MPB”, os conterrâneos Juliano Gauche, Fábio do Carmo e Júlio Santos (estes dois últimos componentes do Duo Zebedeu) acabam de lançar de maneira independente o ótimo CD “Hoje Não!”, cuja produção ficou a cargo de João Moraes, primo de Sérgio. São doze composições, incluindo a inédita faixa-título, que flertam com o tango, o samba, o blues e o bolero e trazem letras recheadas de achados bem criativos. Juliano possui voz bonita e bem colocada e se mostra irrepreensível em suas interpretações alicerçadas apenas sobre dois violões (um de sete e outro de seis cordas). Dentre os melhores momentos estão as faixas “Em Nome de Deus”, “Filme de Terror”, “Magia Pura” e “Real Beleza”.

 

·                     Após aportar no mercado fonográfico com dois ótimos CD’s inaugurais, a cantora Belô Velloso (sobrinha de Caetano Veloso e Maria Bethânia) andou dando umas derrapadas nos discos seguintes e o que se afigurava como uma promissora intérprete terminou meio que se perdendo entre tantas outras que vivem a surgir diuturnamente no nosso cenário musical. Tentando recuperar o tempo perdido, mas de maneira um tanto quanto devagar, ela lançou recentemente o álbum “Versão Brasileira” que, na verdade, soa mais como um EP, já que é composto por apenas sete faixas. Trata-se de um trabalho naturalmente agradável que mergulha em temas e ritmos baianos (“Povo de Fé”, “Pelas Águas” e a faixa-título), mas sem se esquecer das questões amorosas (o bom samba “Desejo”) e de incursão pelo Carnaval carioca (“Mangueira”). No entanto, o maior destaque é, sem sobra de dúvida, a canção “Dois do Dois” (de Marcelo Quintanilha). Completa o set list uma versão simplista de “Back To Black”, pinçada do repertório de Amy Winehouse. Belô está cantando melhor que nunca, mas o fato é que ainda precisa se arriscar em vôos mais altos…

 

·                     Pegando carona na boa receptividade alcançada com as duas edições iniciais, chegaram às lojas, no final do ano passado e através da gravadora EMI, os volumes 3 e 4 do projeto “Samba Social Clube”, dedicados respectivamente a Beth Carvalho e Paulo César Pinheiro. Anunciado como “o maior encontro de todos os tempos”, foi idealizado por Adriano De Martini e Ricardo Moreira e gravado ao vivo durante apresentações realizadas na casa de espetáculos VivoRio (RJ) em julho de 2009. O maior mérito do produto reside no fato de reunir nomes consagrados do samba nacional (Zeca Pagodinho, Monarco, Nei Lopes, Arlindo Cruz, Jorge Aragão, Leci Brandão e até Caetano Veloso) com outros talentos emergentes (Diogo Nogueira, Moyseis Marques, Teresa Cristina, Nilze Carvalho, Mariana Aydar, Camila Costa e os grupos Moinho e Casuarina). Dentre os melhores momentos estão as faixas “Cabô, Meu Pai”, “O Quitandeiro”, “Porta Aberta”, “Maior É Deus”, “Firme e Forte”, “Rugas” e “Dor de Amor”, além da inspirada roda de samba que permeia as oito faixas finais do volume 4, todas de autoria do já citado Pinheiro ao lado de alguns de seus parceiros mais constantes, tais como João Nogueira, Mauro Duarte e Moacyr Luz. Muito legal!

 

RUBENS LISBOA é compositor e cantor

Quaisquer críticas e/ou sugestões serão bem-vindas e poderão ser enviadas para o e-mail: rubens@infonet.com.br  

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